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3.0: A evolução do paradigma do marketing, por Susana Costa e Silva (Católica Porto)

Por a 18 de Dezembro de 2013 as 12:32

Susana Costa, professora da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (Porto)

Por Maria Aguiar Alarcão, aluna do Mestrado em Marketing da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa – Porto; e Susana Costa e Silva, Professora e Directora do Departamento de Marketing da mesma escola

Philip Kotler, considerado o pai do Marketing Moderno, e outros importantes nomes de estratégias de marketing como Hermaean Kartajaya e Iwan Setiwan, propõem uma nova evolução no conceito para as estratégias de mercado. De acordo com esses especialistas, entrámos no final da primeira década do novo século, na chamada era do Marketing 3.0.

O conceito de marketing tem-se vindo a alterar ao longo do tempo. Numa primeira fase, viveu-se a era do enfoque no produto. Impulsionadas pela revolução industrial, as empresas tinham como objectivo vender produtos bastante básicos e estandardizados a todos aqueles que os pudessem comprar. O mercado era visto como um conjunto de compradores com necessidades físicas, a quem teria de ser oferecido um produto funcional, através de uma transacção de um para muitos. Não havia, à época, grande preocupação em compreender os gostos e necessidades dos consumidores. Foi nesta altura que Henry Ford, o conhecido empresário americano, afirmou que, no que tocava aos seus produtos “qualquer cliente podia ter um carro pintado na cor que quisesse, desde que fosse preto”. Era assim definido o conceito de Marketing 1.0.

À medida que a tecnologia de informação se foi desenvolvendo, os consumidores foram-se tornando cada vez mais informados e passaram a ser eles mesmos a determinar o valor do produto para si. As empresas passaram a ter como objectivo não só o volume de vendas, mas também a satisfação e retenção dos seus clientes. Entramos assim na era do Marketing 2.0, em que os consumidores são vistos como seres com mente e coração, a quem as empresas devem procurar satisfazer necessidades e desejos, através de eficientes processos de segmentação e posicionamento. Aqui surgiu o conceito do “cliente tem sempre razão”. No entanto, as propostas de valor funcionais e emocionais apresentadas, ainda que fossem de um para um, não promoviam a participação dos consumidores. Estes continuavam a ser considerados pelas empresas seres passivos das campanhas publicitárias. O Marketing 2.0 continuava a ter um grande enfoque no consumidor.

Actualmente, assistimos à ascensão do Marketing 3.0, cujo conceito-chave são os valores. Agora, as empresas vêem os consumidores como seres-humanos num todo, com mentes, corações e espíritos, e não apenas como consumidores. Através das suas missões, visões e valores, as empresas procuram assim criar propostas de valor emocionais, funcionais e espirituais, tendo como fim último a transformação do mundo num lugar melhor. Esta é a era da orientação pelos valores. E é neste auspício que se movem agora as empresas que pretendem ser orientadas para o futuro.

A Internet está na Base desta Mudança

Com o desenvolvimento das tecnologias de informação, principalmente a internet e as redes sociais, os consumidores estão a todo o momento em contacto entre si e à procura de algo novo que satisfaça as suas necessidades. Criou-se assim uma tecnologia de nova vaga, que possibilita a conectividade e interactividade entre as pessoas. Nesta nova era de participação, as pessoas criam notícias, ideias e entretenimento da mesma forma que os consomem. Nada disto teria sido possível sem a internet e a criação dos media sociais. Estima-se que, actualmente, existam mais de 2.4 biliões de utilizadores da internet. Em 2012, o número de utilizadores da famosa rede social Facebook ascendia aos 1000 milhões de pessoas. O poder dos media sociais é tão grande que, enquanto que a rádio e a televisão demoraram 38 e 13 anos, respectivamente, a atingir os 50 milhões de utilizadores, a internet demorou apenas três anos a atingir esse mesmo número, o Facebook um ano e o Twitter apenas nove meses.

Esta evolução transferiu uma grande parte do poder da esfera das empresas, para os clientes. Em primeiro lugar, os consumidores têm agora muito mais informação sobre as organizações e produtos oferecidos do que aquela que é efectivamente divulgada pela empresa. Em segundo lugar, uma má experiência para o consumidor tem hoje muito mais impacto do que há uns anos. Um exemplo disso, é o caso do conflito criado entre a Ensitel e uma cliente que, não contente com um serviço que lhe foi prestado, divulgou a sua experiência num blog pessoal com um número de seguidores considerável. Ainda que a empresa tivesse ganho a acção em tribunal, não foi possível eliminar o impacto negativo criado nas redes sociais. Ainda, hoje, é possível encontrar no Facebook páginas de boicote à marca. Por último, é essencial perceber que as empresas concorrem hoje num mundo globalizado, e que as suas acções têm, também, consequências globais. Recentemente assistiu-se a uma divulgação de uma campanha controversa por parte da Pepsi Suécia, que “atacava” o capitão da selecção Portuguesa, Cristiano Ronaldo. Ainda que a Pepsi Portugal não tivesse qualquer responsabilidade no sucedido, nada impediu que a sua página de Facebook fosse inundada por comentários negativos e promessa de boicote ao produto. Empresas globais, impactos globais.

Os Consumidores São os Novos Proprietários das Marcas

Estamos hoje perante uma era de participação e marketing colaborativo, em que se pode discutir, em muitos casos, a quem pertencem realmente as marcas. Há autores que defendem que são os consumidores os novos proprietários das marcas. Esta teoria relembra o caso da New Coke, uma bebida da empresa Coca-cola lançada em 1985, que foi retirada do mercado apenas três meses depois, porque simplesmente não foi aceite pelos clientes – as pessoas tinham estabelecido um laço com a receita secreta e original da coca-cola e viram neste novo produto uma ameaça. É também possível aplicar este conceito ao caso da GAP. Em 2010, a empresa decidiu alterar o seu logótipo original. Os efeitos foram desastrosos, pois os fiéis clientes da marca não aprovaram a mudança. E mesmo quando a empresa quis ter em conta a opinião destes para perceber quais as alterações que queriam no logótipo a resposta foi “não mudem nada, gostamos do logótipo como está!”. Em ambos os casos, os clientes estavam apenas a proteger a “sua marca”.

Diferenciar a Nossa Oferta em Relação à Concorrência

Todos os dias surge um novo produto ou serviço no mercado. Em muitos casos, aos olhos dos consumidores, a oferta é indiferenciada. Como é que as empresas podem marcar a diferença? É aqui que surge verdadeiramente o conceito de Marketing 3.0. As marcas devem ser capazes de estabelecer uma conexão com as pessoas, um ADN autêntico que reflicta a sua identidade. As marcas que não sejam realmente autênticas, facilmente podem vir a ser desmascaradas pelos consumidores e não terão hipótese de sobreviver nesta realidade do “passa palavra” nas redes sociais. No cenário de ascensão deste novo tipo de marketing, as marcas diferenciam-se umas das outras, então, principalmente pelos seus valores. Um estudo recente divulgado na Forbes Magazine revela que 90% dos consumidores estão dispostos a fazer boicote às marcas que levem a cabo práticas de negócio irresponsáveis.

Os consumidores actualmente dão uma grande importância a temas relacionados com a sustentabilidade, o meio ambiente, a desigualdade social, entre outros assuntos de cariz social-ambiental. Assim, exigem que as empresas abordem esses assuntos na formulação de uma estratégia a longo prazo. Os consumidores procuram nas marcas uma forma de se realizarem a si próprios, através da transformação do mundo globalizado, num mundo melhor. Sabe-se que 80% dos consumidores consideram importante que as empresas comuniquem as suas acções relacionadas com questões sociais. Um bom exemplo de implementação deste tipo de estratégia é a Body Shop, uma marca que se desenvolveu oferecendo cosméticos de qualidade aos seus clientes, aliado à possibilidade destes apoiarem causas sociais e ambientais. Quase 40 anos depois, a missão da empresa continua a ser a mesma e os consumidores reconhecem o seu valor por isso. Se as empresas conseguirem transmitir de forma transparente uma missão, visão e valores que tenham significado para os consumidores, estes encarregar-se-ão de uma grande parte da comunicação da marca, já que 71% admitem que estão dispostos a promover um produto ou serviço que estejam associados a uma boa causa! Muitas empresas já praticam o marketing de causas sociais para melhorar a notoriedade da marca e para aumentar as suas vendas. A marca de sapatos Toms desenvolveu a campanha “One For One”, em que por cada par de sapatos vendido, oferecem um par a alguém que precise. No entanto, há também empresas que se associam a uma causa, sem ter como objectivo directo o aumento de vendas. A Tata Docomo, empresa de telecomunicações indiana, criou uma plataforma em que é possível encontrar possíveis dadores de sangue na nossa área de residência quando for necessário. The Bloodline Club é um serviço totalmente gratuito que trouxe indirectamente um grande reconhecimento à marca.

Menos Palavras, Mais Acção

As empresas não devem apenas associar-se a causas sociais, com benefícios a curto e médio prazo. Devem, sim, promover uma total transformação sócio-cultural, que permita não só eliminar comportamentos existentes, como também prevenir o aparecimento de outros. Ou seja, os consumidores valorizam a actuação das empresas na resolução de problemas profundos da sociedade a longo prazo, como o desemprego, a desigualdade, a sustentabilidade ambiental, entre outros.

Existem vários casos de empresas que se desenvolveram centradas na humanidade e sustentabilidade e que conseguiram, ao mesmo tempo, ser lucrativas. Com o aumento da oferta de produtos e serviços, os consumidores tenderão por escolher aquele que satisfizer, não só as suas necessidades funcionais, como também espirituais e humanas. Com a crescente influência da opinião dos pares na nossa tomada de decisão, é necessário ter a noção que as empresas já não têm o total controlo sobre as suas marcas. É essencial que as empresas consigam posicionar-se na nossa mente como uma extensão dos nossos valores, para que possamos vê-las não como orientadas apenas para a obtenção do lucro, mas também como potenciadores da criação de ideias que possam tornar a nossa sociedade melhor.

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