Destaque Homepage Newsletter Opinião

Que Marketing em tempos de crise?, por Susana Costa e Silva e José Cevada (Católica Porto)

Por a 13 de Fevereiro de 2013 as 11:08

Susana Costa, professora da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (Porto)

Por José Cevada, aluno do Mestrado em Marketing da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, Porto; e Susana Costa e Silva, Professora e Directora do Mestrado em Marketing da mesma escola

Em tempos de crise como os que actualmente vivemos, pode fazer sentido analisarmos a grande depressão do final dos anos 20, anos 30, e procurar compreender como algumas empresas se adaptaram não só para lhe “sobreviver” como, em alguns casos, mesmo para saírem desta mais fortes. Temos, por exemplo, o caso da Procter&Gamble que, percebendo que por maior que fosse a crise as pessoas iam sempre precisar de sabão, concentrou-se nesse produto e criou inclusive a primeira série publicitária para rádio da história (Oxydol’s Own Ma Perkins).

Ou, ainda mais notável, o caso de algumas produtoras de cerveja norte-americanas que, confrontadas não só com a profunda crise, como também com a lei seca, se adaptaram e durante esse período se dedicaram à venda de carne, lacticínios e bebidas sem álcool. Tal esforço de diversificação terá sido recompensado, pois das dez grandes produtoras de cerveja nos Estados-Unidos, sete são anteriores à grande depressão. Mas não é necessário ir mais longe, se a própria Coca-Cola tivesse baixado os braços perante a grande depressão, provavelmente hoje não conhecíamos um Pai Natal bem-disposto e vestido de vermelho.

Realidade portuguesa

Feita esta breve introdução, parece interessante que nos foquemos na realidade portuguesa, onde a crise económica atravessada é particularmente profunda e se faz já notar numa tremenda quebra no consumo. Mas se, por exemplo, nos sectores têxtil e automóvel tal quebra é generalizada, no sector alimentar, sobretudo na venda a retalho, o mesmo não se pode dizer. Tal fica a dever-se ao facto de este sector incluir um conjunto de produtos essenciais, sendo que as vendas dos mais baratos têm disparado. Se considerarmos, por exemplo, o caso da Nestlé, enquanto as vendas gerais da empresa caíram 5% em Portugal em 2011, as vendas do seu produto Nestum, subiram 7% no período homólogo, o que pode ser explicado pelo facto de se poder obter uma dose de Nestum com leite por sensivelmente 19 cêntimos. Parece assim que marcas do sector alimentar, tirando, claro, as marcas premium, que não possuam produtos passíveis de ser considerados pelo consumidor como produtos low-cost, de primeira necessidade, poderão ter mais dificuldades em enfrentar a crise do sector que as restantes.

Panorama europeu

Olhando de uma forma mais abrangente para o panorama europeu, nomeadamente e a mais curto prazo, a Europa do Sul, grandes multinacionais, como é o caso da Unilever, preparam-se já para o regresso de níveis de pobreza mais acentuados à Europa. Tal estratégia para uma Europa em empobrecimento passa pela adopção de modelos que já são utilizados em países como a Índia, e que passam por, entre outras coisas, vender artigos como champôs e detergentes em doses mais pequenas ou mesmo em unidoses. Este recurso a doses de menor dimensão já começou a ser posto em prática na Europa em países como Espanha e Grécia.

A estratégia acima descrita trata-se, possivelmente, e com as devidas ressalvas, (por exemplo, na Europa os canais de distribuição já estão plenamente desenvolvidos) da primeira estratégia de Fortune at the Bottom of the Pyramid aplicada a países desenvolvidos. E, ainda por cima, com sucesso se tivermos em conta a satisfação granjeada com tais movimentações já iniciadas em Espanha e na Grécia.

Aliadas à recessão com fortes perspectivas de agravamento em que zona Euro se encontra, junto com o facto de um em cada 7 cidadãos Europeus ser já considerado pobre, acreditamos que tais políticas tenderão a intensificar-se pelo menos nos países periféricos da Europa.

População idosa

No contexto de crise em que vivemos talvez valha ainda a pena falar de um público-alvo no qual o marketing não tem investido o suficiente até agora, e cuja abordagem talvez se possa alterar com o aprofundar da crise.

São os idosos. De facto, 75% de toda a riqueza do UK ou do USA é detida por indivíduos com mais de 65 anos, sendo que a maioria destes são mulheres. Assim, parece essencial perceber os gostos, necessidades e desejos deste público que, como sabemos, está a aumentar dado o aumento da esperança média de vida.

Por exemplo, uma falha clamorosa do marketing dirigido à população mais idosa é o facto de descurar as dificuldades de visão que tendem a afectar as pessoas a partir dos 55/60 anos, fazendo anúncios publicitários destinados a esta faixa etária que não raras vezes são ilegíveis por uma boa parte da mesma. O mesmo se passa com boa parte dos menus dos restaurantes. Por outro lado, se essa fatia da população apresenta, nalguns casos, um poder de compra acima da média e manifesta necessidades e atenções especiais, talvez faça sentido que as empresas abandonem as suas posturas ingénuas e sobranceiras e se dirijam aos consumidores mais velhos respeitando as suas idiossincrasias.

Crise enquanto oportunidade

Por último, é importante compreender que a actual crise deve ser vista como uma oportunidade para mudar o actual paradigma do marketing, uma vez que nos tempos que correm, além, claro, do factor preço, valores como a honestidade, a autenticidade, a confiança e a própria simplicidade ganham particular relevo. Como é referido por Kotler, em 2010, a própria cultura corporativa de uma companhia é importante e deve respeitar a cultura onde se tenta inserir, em regime de colaboração sempre que possível. Ainda segundo o mesmo autor é também importante que as empresas tenham como parte integrante da sua missão, preocupações ambientais ou sociais, cativando assim a empatia das pessoas que tendem a julgar que o mundo é um lugar melhor com elas a fazerem parte deste. Assim, toda a empresa deve ter tais valores incutidos, e aqui o marketing também pode dar cartas, mesmo em tempos de crise.

Assim, os colaboradores, que acabam por funcionar como “embaixadores” da empresa, devem ser instruídos no sentido de fazer sempre transparecer aos clientes os valores que a companhia, como um todo, pretende transmitir. No que diz respeito aos clientes, se já antes da crise era importante conseguir-se a sua fidelização, muito mais o é agora, com a crise e com o advento do marketing digital em que os consumidores se juntam muitas vezes em comunidades online não só para avaliar e transmitir a sua opinião sobre os produtos e serviços da empresa, como também para darem contributos para a criação de novos produtos ou processos por parte da empresa (co-criação).

Uma vez que com a actual crise económica o orçamento para marketing das companhias tende a ser mais limitado, será lógico que estas tendam em apostar em campanhas com um custo-benefício mais efectivo e mensurável. Assim é de esperar que os meios de comunicação online continuem a ganhar terreno face aos meios ofline, pese embora se advogue o uso articulado de ambos, uma vez que os meios online permitem medir com exactidão o retorno de pequenos investimentos, os quais podem ser realizados em maior escala caso os resultados sejam os pretendidos.

Conhecer o mercado

É em conjunturas como a actual que o conhecimento do mercado ganha uma particular relevância. É, por isso, essencial perceber quanto é que os nossos potenciais ou actuais clientes estão a sofrer com a crise, saber quanto é que eles actualmente estão dispostos a pagar pelos bens ou serviços que fornecemos (especialmente caso não sejam bens ou serviços essenciais) e ainda que imagem têm estes da nossa empresa e que mais esperam dela. Logo, se há altura em que devemos acompanhar as preferências manifestadas pelos nossos clientes, e o seu processo de tomada de decisão, essa altura é agora.

Para superar esta crise o Marketing tem que se reinventar, batalhar, procurar novos caminhos, chegar a estradas sem sentido, voltar atrás e tentando de novo. E as empresas que não o perceberem a tempo, estarão a dar passos certeiros mas rumo ao falhanço.

Bibliografia:

Buchanan, R. and Gilles, C. (1990) “Value managed relationship: The key to customer retention and profitability”, European Management Journal , Vol. 8, no 4, 1990.

Prahalad, C.K. and Hart, C.L. (2002) “The Fortune at the Bottom of the Pyramid”,Strategy+Business Journal, Issue26, first quarter, 2002.

Kotler, P., Kartajaya, H., Setiawan, I. (2010) “Marketing 3.0: From Products to Costumers to the Human Spirit”. Hoboken, New Jersey.

http://economia.publico.pt/Noticia/nestum-ja-substitui-refeicoes-vendas-disparam-7-ate-junho-1565531 em 30 Novembro de 2012.

http://purefoodlinks.eu/2012/09/unilever-prepares-for-return-of-poverty-in-europe/ em 30 Novembro de 2012.

 

 

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *