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Cláudia Portugal, Directora-geral da PrimeDrinks: “O consumo e as vendas de bebidas alcoólicas vão certamente cair”

Por a 12 de Dezembro de 2011 as 15:07

Em entrevista, a directora-geral da maior distribuidora de vinho e bebidas espirituosas a actuar no mercado português – PrimeDrinks – admite que quanto maior a carga fiscal, maior o encorajamento à fraude e à evasão fiscal, bem como ao consumo de bebidas de menor qualidade. Isto tudo a propósito do aumento dos impostos nas bebidas espirituosas e sobre o consumo. Para Cláudia Portugal, um dos grandes ganhadores desta opção fiscal será o ministério das Finanças … espanhol.

Hipersuper (H): Como vê a possibilidade das bebidas espirituosas virem a conhecer um aumento do imposto sobre o álcool, caso a proposta inscrita no OE2012 vá para a frente?
Cláudia Portugal (C.P.): Com enorme preocupação, agravada pela Proposta de Alteração n.º 511C ao Orçamento de Estado para 2012, apresentada apenas em meados de Novembro, que representa um acréscimo suplementar de mais de 50% no IABA (Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas), em particular na taxa do imposto aplicável às bebidas espirituosas.
A PrimeDrinks compreende que as medidas de consolidação orçamental são absolutamente necessárias, mas este acréscimo suplementar acentuará as distorções no mercado e reduzirá as receitas fiscais, numa conjuntura de contracção crescente do consumo e de downgrade da procura. A receita fiscal vai diminuir – que não é o que preconiza o OE – e prejudica-se todo o sector.

H: O que é que isso poderá representar em termos de (quebras) de consumo? Têm alguma estimativa em quanto poderá cifrar-se esta quebra de consumo?
C.P.: Não temos estimativas. O que temos são exemplos como o da Grécia, onde o aumento excessivo da carga fiscal teve impactos desastrosos sobre a procura e sobre a receita fiscal.

H: A Associação Nacional de Bebidas Espirituosas (ANEBE) considerou recentemente que Portugal já possui um dos níveis fiscais mais elevados do Sul da Europa. Esta situação, com Espanha tão próxima e com taxas mais reduzidas poderá levar a uma transferência de compras para lá das fronteiras, o que é conhecido por cross border shopping?
C.P.: De facto, e em 2011, a taxa de Impostos Especiais de Consumo aplicada em Portugal às bebidas espirituosas é de 1.031,57 €/hl/100%/volume, ao passo que em Espanha a mesma taxa é de 830€/hl e em Itália é de 800€/hl. Estas diferenças vão agravar-se em 2012, e são particularmente preocupantes se tivermos em conta os nossos vizinhos espanhóis, devido aos fluxos de cross border shopping decorrentes da proximidade geográfica. O Tesouro espanhol será um dos grandes ganhadores desta opção fiscal.

H: Há alternativas a esta proposta de aumento de impostos?
C.P.: O que estava planeado, e em linha com o memorando, era um aumento do IABA não superior à inflação, de forma a não nos continuarmos a afastar de Espanha, e a que não se acelerasse ainda mais a queda do mercado e se “empurrasse” o consumidor para o downgrade e para as marcas próprias/exclusivas da grande distribuição.

H: De certa forma, o aumento de impostos é contraposto com uma redução na colecta fiscal por causa da quebra no consumo? Afinal, quais os ganhos fiscais desta proposta governamental?
C.P.: Nós, PrimeDrinks, não vemos nenhuns. Veja-se o caso grego onde se aumentaram muito, e de forma populista, estes impostos, e onde o mercado caiu significativamente, sabendo-se via ANEBE que o governo grego está a equacionar um passo atrás.

H: Para além do possível fenómeno de cross border shopping, temem, também, uma transferência de consumo para bebidas/marcas mais baratas e de menor qualidade, bem como do contrabando?
C.P.: Quanto maior a carga fiscal, maior o encorajamento à fraude e à evasão fiscal. Maior o encorajamento ao consumo de bebidas de menor qualidade.
Maior o encorajamento ao consumo desregrado na rua, em prejuízo da segurança, e do consumo estruturado oferecido pelos empresários da noite e da restauração. Sector que se verá penalizado mais ainda pelo agravamento do IVA para 23%, o que inevitavelmente alavancará a redução do consumo de bebidas espirituosas.
Maior o encorajamento ao consumo de bebidas de menor preço, e à compra de marcas próprias e de primeiros preços, em detrimento das grandes marcas que investem nestas categorias de forma continuada.

H: O Governo considera, inclusivamente, que através desta medida está a contribuir para a redução do consumo de bebidas alcoólicas? Considera esta possibilidade real?
C.P.: O que a PrimeDrinks considera é que se estará, fundamentalmente, a empurrar o consumidor para o downgrade.
Por contraste, comparemo-nos com parte dos países nórdicos, países que apresentam das mais elevadas taxações na Europa, e que nem por isso deixam de ser os que têm maiores problemas no consumo de álcool.
No que respeita às bebidas espirituosas os dados mostram-nos que os países que apresentam maiores crescimentos de consumo e piores valores de embriaguez são precisamente aqueles que aplicam maiores níveis de taxação, como a Irlanda, a Dinamarca, a Finlândia e vários países do Norte da Europa.

H: Se no caso das bebidas espirituosas, o aumento previsto é de 7%, mais 3 pontos percentuais do que o inicialmente previsto na proposta de OE2012, no caso da cerveja, o aumento será de 3%, mas também acima dos 2% inicialmente pretendidos pelo Governo. A Associação Portuguesa de Produtores de Cerveja (APCV) já veio acusar o Governo de descriminar negativamente o sector face ao vinho relativamente aos impostos especiais de consumo. No caso das bebidas espirituosas, também, se consideram descriminadas?
C.P.: Repare que as espirituosas representando só cerca de 4% do total do álcool consumido em Portugal, pagam muito mais do que as cervejas que representam cerca de 60%.

H: E como é que uma empresa como a PrimeDrinks, que detém no seu portfólio bebidas espirituosas e vinhos, vê esta dualidade de critérios, beneficiando-se o vinho em detrimento das espirituosas?
C.P.: A PrimeDrinks é a distribuidora n.º 1 em Portugal, líder em vinhos e whiskies, e com uma posição relevante em categorias como a vodka, os astis, os conhaques, os licores e os azeites premium. Estamos a falar de categorias distintas, com enquadramentos fiscais completamente diferentes, com desafios muito diferenciados, ainda que muito próximos em várias matérias, como por exemplo as que concernem aos canais de distribuição. Nem todas as categorias foram olhadas fiscalmente da mesma forma, o que é absolutamente de louvar.
Nós, na PrimeDrinks, não pensamos na discriminação positiva ou negativa entre umas categorias e outras, temos sim é que encontrar soluções para desafios completamente diferentes e que convivem lado a lado no mercado.
Todas as categorias que operamos serão fortemente penalizadas pelo aumento do IVA para 23% na restauração e em todo o consumo fora de casa. Este é um tema crucial para uma empresa como a nossa que aposta forte no ontrade.
Se por um lado, a evolução do comportamento do consumidor em matéria de bebidas alcoólicas é maioritariamente dominada por variáveis culturais e sociológicas e que um agravamento do IABA em mais de 50% ao previsto no Orçamento de Estado 2012 irá agudizar o já difícil momento do mercado de bebidas espirituosas, por outro, é indiscutível a necessidade de se promover a agro-indústria nacional, de que o azeite e o vinho são ex-libris; sendo o sector do vinho dos poucos em Portugal que é auto-suficiente e exportador líquido.
Numa fase em que é crucial dinamizar a economia, é muito relevante velarmos pelo dinamismo e capacidade financeira de sectores que, só por si, serão grandemente penalizados pela quebra do poder de compra e pelo aumento da carga fiscal sobre a restauração, para virmos acentuar dramaticamente a sua sustentabilidade com aumentos substanciais da carga fiscal.

H: Que ajustamentos terá de fazer uma distribuidora como a PrimeDrinks com a execução destas medidas propostas para o ano 2012?
C.P.: O IVA e o IABA são impostos sobre o consumo. Têm, por isso, ser suportados pelo consumidor e não pela produção, distribuição ou restauração. É, por isso, inevitável a repercussão nos preços de venda ao público da subida da carga fiscal em todos os canais de comercialização. Este é um desafio penoso, com implicações diversas na política comercial e de activação das marcas e da companhia.
Por um lado, a restauração está já com quebras muito significativas de vendas, e muitas empresas não conseguirão manter-se no mercado com quedas ainda mais aceleradas da procura. Das muitas que se vão manter, e resistir tenazmente, algumas poderão optar por não subir preços, para fidelizar os seus clientes, reduzindo margens, e procurando alargar prazos de pagamento. Os problemas de crédito vão agudizar-se.
Por outro, a grande distribuição atrasa a reflexão nos preços de venda ao público do agravamento da carga fiscal, reduzindo as margens do sector produção/distribuidoras. Tema que ganha cada vez maior relevo, sobretudo para a categoria de bebidas espirituosas, face ao efeito multiplicativo do IVA sobre o IEC. De facto, em dois anos, e para álcool a 40% (70cl whisky, vodka ou gin, por exemplo) o aumento da carga fiscal posiciona-se nos 45centimos por garrafa.

H: A pouco menos de um mês para terminar o ano 2011, como perspectivam o ano 2012 em termos de consumo/vendas?
C.P.: A incerteza é muita, até porque estamos a cerca de um mês do final do ano e ainda não está fechado o IABA para 1 de Janeiro de 2012, e ainda até há muito pouco tempo a perspectiva era de eventual passagem do IVA do vinho a 23%. O OE2012 não está fechado. Todas estas incógnitas dificultam-nos muito o planeamento e a definição de perspectivas. Uma coisa é certa. O consumo e as vendas de bebidas alcoólicas vão certamente cair. A um? Dois dígitos? Dependerá de muitos factores e variará por categoria.

 

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