Opinião

A origem das mercadorias vs as indicações de lugar ou de proveniência

Por a 6 de Fevereiro de 2009 as 9:51

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Ninguém ousa duvidar que o conhecimento atempado, por parte dos agentes económicos, das normas que regulam as relações comerciais, revela-se determinante para o sucesso das respectivas actividades.

Vem esta consideração a propósito das dúvidas que, frequentemente, se têm suscitado em volta de dois conceitos, os quais, embora aparentando uma certa relação de proximidade, dizem todavia respeito a realidades completamente diferentes. Refiro-me, em concreto, à noção de origem das mercadorias e à noção de indicação de lugar ou proveniência. Se, no que concerne à primeira daquelas ideias, estamos em presença de um instituto jurídico-aduaneiro cujo interesse revê-se, fundamentalmente, na possibilidade de certas mercadorias poderem beneficiar de tratamentos pautais preferenciais no quadro de relações institucionais previamente estabelecidas (seja por via de acordos comerciais celebrados entre as partes contratantes, seja através da concessão de sistemas de preferências autonomamente definidos), já a segunda daquelas manifestações arrasta consigo questões que se jogam no domínio das matérias relacionadas com a concorrência, a propriedade industrial e até da defesa do consumidor.

De um ponto de vista prático, o problema coloca-se basicamente ao nível das empresas que contratam o fabrico de certos produtos a outras empresas localizadas em territórios distintos, mas fornecendo a estas, as mais das vezes, as matérias-primas e as tecnologias indispensáveis à boa execução do respectivo produto acabado.

Trata-se, assim, de um fenómeno recorrente, que o crescente e imparável processo de globalização à escala planetária vem acentuando, mormente através da contínua deslocalização de unidades fabris um pouco por todo o lado, na busca permanente das soluções economicamente mais vantajosas. Ora, muitas dessas empresas, em ordem a razões de natureza comercial, pretendem, justamente, que os produtos obtidos noutros territórios (que acolhem a referidas unidades fabris antecipadamente deslocalizadas) ostentem a indicação de proveniência (made in) do país onde se encontra localizada a respectiva sede alegando, para tal, que a estrita observância das regras estabelecidas com vista à aquisição do carácter originário do produto em causa conduzem a esse mesmo desfecho.

E é aqui que, normalmente, se instala a a confusão entre aquelas duas noções justificando-se, por isso, que se proceda à sua distinção conceptual.

Com efeito, de acordo com as regras de origem plasmadas nos acordos comerciais celebrados entre a União Europeia e outros países terceiros, pode muito bem acontecer que, não obstante a conclusão do processo de fabrico de certo produto ter ocorrido em certo território, a aquisição do respectivo carácter originário pode vir a revelar que o país de origem, para efeitos de aplicação de medidas preferenciais, seja um outro.

Trata-se, até, de uma possibilidade frequente, não só em consequência da ponderação dos contributos dos diversos países participantes no mencionado processo de fabrico, mas também em face da crescente proliferação das chamadas regras de acumulação que facilitam em larga escala a aquisição do carácter originário das mercadorias. Por outro lado, atendendo ao nível de integração económica já atingido na União Europeia, a referência à origem que deve ser aposta nos respectivos documentos comprovativos já não implica a menção concreta do país de origem, antes satisfazendo-se com a indicação da menção CE.

Contudo, tal não significa que a indicação de proveniência colocada nestes produtos não seja outra que não aquela que necessariamente resulta do lugar em que finalizou o seu fabrico, sob pena de cometimento de um ilícito contra-ordenacional. Na verdade, a aposição de um made in distinto daquele que indiscutivelmente alude ao local de fabrico, é susceptível de consubstanciar uma forma de concorrência desleal, na acepção da alínea e) do artigo 317º do Decreto-lei n.º 36/2003, de 5 de Março, que aprovou o Código da Propriedade Industrial, punida com coima entre os 3 000 e os 30 000 euros, tratando-se de pessoa colectiva e de 750 a 7 500 euros, tratando-se de pessoa singular, nos termos do artigo 331º do mesmo diploma legal. Pretende-se, assim, reprimir as práticas conducentes a eventuais induções em erro dos consumidores que, atraídos por falsas indicações de proveniência, por vezes adquirem certos produtos na convicção de que são fabricados em determinado local, constituindo este facto um elemento decisivo daquela opção, atento o hipotético valor acrescentado normalmente traduzido numa lógica garantística de qualidade, que aquela (falsa) informação lhes transmitem. A previsão legal referida não constitui, de forma alguma, uma especificidade portuguesa, antes exprimindo uma elementar regra de comércio externo, há muito plasmada no direito internacional.

José Rijo, Customs and Legal Department Manager do Grupo Rangel

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