Outras Opiniões

Valor no Retalho Europeu

Por a 2 de Fevereiro de 2007 as 17:52

luis ferreira

O sector retalhista europeu e em particular empresas como a alemã Metro AG ou a francesa Carrefour, tiveram um ano de 2006 marcado pelo suporte que a recuperação económica encontrou no consumo interno. Contudo, ao analisar mais cuidadosamente o comportamento bolsista das empresas do sector descobre-se uma dicotomia entre a valorização das empresas e a evolução dos seus resultados (relação mais conhecida como PER) durante o período. Efectivamente, o ano de 2006 foi caracterizado por uma expansão do múltiplo, ou seja a evolução favorável da acção não foi totalmente acompanhada pelos resultados. A principal explicação para esta situação reside no facto de os investidores terem acordado para uma nova realidade intrínseca em algumas destas empresas, o valor do portfólio imobiliário que constitui parte relevante do seu activo.

Para que melhor se compreenda até que ponto esta situação é relevante para o valor de algumas empresas que constituem o sector, atente-se às estimativas recentemente divulgadas pela Merrill Lynch e que demonstram, a título de exemplo que: a percentagem do valor da acção das empresas Metro e Carrefour justificado pelo activo imobiliário é 87,1% e 71,7%, respectivamente; este valor, quando ajustado do valor de financiamento associado e goodwill atinge 37,3% e 36,9%, respectivamente. Ou seja, mais de um terço do valor das empresas é suportado pelo valor líquido do activo imobiliário. Desta forma, não é de estranhar que a performance do sector e em particular destas empresas, tenha sido influenciada, não só pela performance operacional, mas também pela evolução do mercado imobiliário nas regiões de actuação. Refira-se ainda que esta realidade é mais acentuada no Reino Unido onde, em algumas empresas (nomes como Tesco e Morrison) e segundo as mesmas estimativas, mais de metade do valor da empresa encontra suporte no activo imobiliário líquido.

Esta situação levanta algumas questões que se prendem com a actuação da equipa de gestão no sentido de criação de valor para os accionistas. Efectivamente, os gestores estão a fazer das empresas autênticos fundos de investimento imobiliário, desviando-se do objecto principal da sua actividade – retalho. Decerto que se pode defender que as lojas (activo imobiliário) são essenciais para o desenvolvimento da actividade, contudo a sua propriedade não é racional do ponto de vista de criação de valor empresarial. Os accionistas de uma empresa de retalho estão à espera que a sua performance esteja ligada ao seu comportamento operacional, ou seja capacidade de geração de cash-flow e de apresentar resultados e não à evolução do mercado imobiliário, uma vez que se quisessem essa exposição investiriam directamente num fundo. Ou seja, os gestores estão a adicionar um risco à empresa, ao mesmo tempo que canalizam recursos, quer sejam financeiros, quer sejam humanos para uma actividade que não é o seu objecto, correndo o risco de descurar o investimento na área de negócio que gera cash-flow, o que coloca em xeque o crescimento futuro da empresa.

A utilização inadequada dos balanços das empresas tem sido amplamente discutida e no caso particular do sector de retalho, uma enorme pressão tem sido exercida no sentido de uma melhor utilização do capital das empresas, quer através do investimento na actividade (derivado da melhoria do Retorno do Capital Investido, nos últimos anos), quer através da remuneração dos accionistas, por via de dividendos ou planos de recompra de acções. Não será por isso de estranhar que numa altura em que proliferam operações de Fusões & Aquisições (F&A) e a actividade dos fundos de private-equity está ao rubro, empresas com balanços subaproveitados, com valor intrínseco em bens que podem ser alienados e com forte capacidade de geração de cash-flow, se traduzem em alvos muito apetecíveis. A génese das operações de F&A, principalmente quando financiadas maioritariamente através de dívida (LBO´s), reside nas oportunidades criadas pelo conservadorismo da actuação das equipas de gestão, que ao não maximizarem a utilização dos seus balanços, criam ineficiências e consequentemente oportunidades que certamente serão aproveitadas por outros agentes.

As empresas do sector de retalho, à semelhança de outros, encontram-se no radar dos agentes que procuram as oportunidades nas falhas das equipas de gestão, pelo que a evolução futura das empresas será marcada pela crescente pressão que deriva dessa realidade. É o mercado a funcionar, no seu melhor.

Luís Ferreira, Analista da Personal Value