Segurança Alimentar

A importância da actividade da água nos alimentos

Por a 8 de Dezembro de 2006 as 16:18

josé seno

A água é, por norma, o principal constituinte dos alimentos e simultaneamente o solvente mais importante, permitindo que os restantes constituintes se tornem solúveis de modo a poderem ser transportados, absorvidos ou expelidos do interior das células. Este facto permite que ocorram nos alimentos, reacções químicas, alterações enzimáticas e crescimento microbiano, mesmo em certos casos onde o pH e a temperatura sejam factores limitantes. Esta influência da água na degradação dos alimentos é conhecida desde a antiguidade onde técnicas como a secagem ao sol ou ao vento eram utilizadas de modo a preservar os alimentos durante o maior tempo possível. Por volta de 8.000 a.C. começou-se a desenvolver técnicas como a fumagem ou salga de forma a diminuir a acção da água. Estas técnicas de conservação desenvolvidas ao longo de milhares de anos fundamentavam-se na experiência, sendo mais uma forma de arte do que uma actividade baseada na ciência. Só na década de 1950 é que se começou a estudar verdadeiramente a influência da água nos alimentos, descrita como a Actividade da Água.

A actividade da água (Aw) num alimento não significa o mesmo que o seu conteúdo em água, isto porque, dentro dos alimentos a água encontra-se presente de duas maneiras diferentes, quimicamente ligada a outras moléculas, e portanto imobilizada, ou na sua forma livre, desligada de outras moléculas e como tal disponível. É esta água disponível, que actua como solvente, permite reacções químicas e o crescimento microbiano que determina o valor de Aw, podendo variar entre um máximo de 1,0, onde a água se encontra totalmente disponível (equivalente a água pura), e 0,0, onde a água livre é inexistente (equivalente a um osso seco). Isto significa, que dois alimentos poderão ser formados pela mesma quantidade de água, mas ter um Aw diferente, bastando para isso, que um dos alimentos tenho uma quantidade superior de água imobilizada quimicamente em relação ao outro para que o valor seja inferior. Assim, até para facilidade na formulação de alimentos compostos, existe a classificação em relação à sua disponibilidade de água, fazendo parte dos alimentos com um Aw elevados (entre 0,99 e 0,90) a maioria dos frescos, normalmente compostos por mais de 50% de água em relação ao seu peso (carne, pescado, produtos lácteos), e alimentos com Aw pequeno (abaixo dos 0,90) os secos ou alimentos que sofram tratamentos para reduzir a água disponível.

Todos os microrganismos têm um valor limite de Aw abaixo do qual cessam a sua actividade. Na generalidade das bactérias isso acontece para valores de Aw inferiores a 0,97, havendo excepções como é o caso S. aureus (a bactéria mais tolerante ao Aw), cujo crescimento se verifica para valores até 0,86. Já os fungos são bem mais tolerantes à ausência de água disponível, podendo nalguns casos crescerem em alimentos com Aw igual 0,62, razão pela qual se verifica o seu aparecimento em determinados alimentos como o pão ou frutos secos, como os amendoins. Esta inibição dos microrganismos crescerem a Aw reduzidos deve-se ao facto deles transferirem nutrientes e compostos tóxicos através da sua membrana celular, dissolvidos na água. Se isso não acontecer o microrganismo fica impedido de se desenvolver e multiplicar acabando por morrer. Uma vez que o crescimento microbiano é o factor mais importante na preservação dos alimentos, o Aw é uma das melhores maneiras de prever e controlar a deterioração dos alimentos e determinar a sua vida de prateleira, de tal forma, que a esterilidade pode ser alcançada com o controlo da actividade da água e aplicação de calor, normalmente necessário para alimentos com um Aw acima dos 0,85. A própria legislação europeia já exige, para determinados alimentos, limites superiores de Aw como forma de garantir a segurança alimentar.

A remoção de água livre do interior dos alimentos e consequente diminuição do Aw é alcançada de três formas: – Remoção da água livre através de técnicas de secagem como a fumagem, aplicação de calor, exposição ao sol, etc;

– Imobilização da água no alimento através da congelação passando esta do estado líquido para o estado sólido. Para alimentos como as manteigas e margarinas essa imobilização deve-se ao facto de as gorduras serem formadas por uma parte hidrofóbica que repele a água e outra hidrófila que a atrai, acabando por se disporem na forma de uma esfera com a parte hidrófila virada para interior onde prendem as gotículas de água;

– Adição de solutos como sal ou açúcar que, devido á sua afinidade com a água, se vão ligar quimicamente com água livre disponível acabando por ficar presa o que resulta na redução da sua actividade. É o que acontece com as carnes curadas ou com as marmeladas, alimentos ricos em água mas com um Aw pequeno.

Joaquim Dias, Engenheiro Alimentar