Distribuição

“Como se faz? Fazendo!”

Por a 5 de Abril de 2006 as 10:36

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A abrir o 2.º Congresso do Comércio Moderno, sobre o qual publicamos reportagem nesta e na próxima edições, o economista Ernâni Lopes apontou alguns caminhos estratégicos para a economia portuguesa, desenhando várias soluções. Nas palavras do ex-ministro das Finanças e do Plano, ao cenário base de “definhamento”, Portugal deverá e terá de responder com um cenário alternativo de “afirmação” num mundo cada vez mais global e competitivo.

«Vivemos num mundo mutável, incerto e complexo». Foi com esta ideia que Ernâni Lopes iniciou a sua intervenção no 2.º Congresso do Comércio Moderno organizado pela Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Na análise subordinada ao tema “A economia portuguesa. Uma visão prospectiva”, Ernâni Lopes referiu que Portugal encontra-se no final de um ciclo de eleições, «mas não, necessariamente, no início de um novo ciclo económico», salientando que o nosso País «está a viver os começos de uma profunda crise económica». Abordando as realidades da economia portuguesa no seu duplo quadro – objectivo e subjectivo – o ex-ministro das Finanças e do Plano do IX Governo Constitucional (1983-1985) e actualmente director e professor do Instituto de Estudos Europeus da Universidade Católica Portuguesa e presidente do Conselho de Administração do Instituto de Estudos Avançados do IESC, apresentou o modo como se pode – e deve – corrigir o rumo actual da economia nacional face aos desafios que enfrenta, explorando o discernimento crítico sobre os percursos possíveis, dando ênfase especial nas vias de solução e no essencial: a construção de capacidades de resposta por parte das empresas.

Atarantamento vs Competitividade

É nesta conjuntura que Portugal terá de passar, segundo o economista, de um cenário de desorientação, atarantamento e perplexidade para um de motivação, visão estratégica e focagem, referindo que «ser competitivo, é ter a capacidade de vender um produto ou serviço com lucro em qualquer mercado global. É esta capacidade que o tecido empresarial português terá de possuir no futuro, dado que no passado, poucas foram as empresas que conseguiram ter esta capacidade competitiva».

Numa visão global, a recomposição de forças no campo económico aponta para que os Estados Unidos da América permaneçam como potência dominadora durante mais uma ou duas décadas, com a China a revelar-se pouco a pouco, um Brasil e uma Rússia a «aparecerem», e uma União Europeia a ver o seu poder económico e negocial a reduzir-se na cena internacional. Esta visão levou Ernâni Lopes a deixar a seguinte questão: «onde é que os empresários vão hoje fazer as compras para as suas lojas? Não será de certeza nos países desenvolvidos da União Europeia».

Ora esta realidade contribui de forma decisiva para uma Europa com cada vez menos peso no panorama global, aparecendo países que, devido à falta de políticas sociais e laborais, conseguem colocar-se na primeira linha em termos competitivos. Aliada aos baixos custos de produção aparece a prática de baixos salários, levando as multinacionais a fecharem as suas unidades de produção no Velho Continente e a deslocalizar as suas fábricas para Oriente e/ou Leste.

O ponto de partida «é difícil», com o Estado a revelar um baixo nível de credibilidade e aceitação, fazendo com que as empresas se mostrem desorientadas e diminuídas na sua auto-imagem e auto-confiança. A solução parece simples, admitindo Ernâni Lopes que o Estado deve recuperar as suas noções básicas de serviço, bem comum, organização, qualificação e disciplina, enquanto as empresas deverão cumprir com as suas funções específicas, ou seja, congregação de factores, criatividade, gerar inovação/excedente (mais-valias e lucros), acumulação e capital e, por fim, responsabilidade social e cidadania empresarial.

Apesar das empresas aparecerem em primeiro plano como motor de desenvolvimento de qualquer economia, no caso português «são actualmente múltiplos os sinais que apontam para a exigência de uma tomada de consciência, individual e colectiva, quanto à responsabilidade dos cidadãos», salientando o ex-ministro das Finanças e do Plano que «esta é, obviamente, uma matéria complexa e que não se resolverá espontaneamente, mas haverá que arrancar, com urgência e seriedade». Assim, o exercício que a sociedade portuguesa deverá efectuar é simples: onde está facilitismo, colocar exigência, substituir vulgaridade por excelência, ignorância por conhecimento, moleza por dureza, mandreice por trabalho e aldrabice por honestidade para finalmente respondermos à pergunta “como se faz?” com um “fazendo!”.

Clusters estratégicos

As soluções macroeconómicas apontadas por Ernâni Lopes para Portugal se colocar na primeira linha, englobam a busca de respostas em domínios com potencial, de modo a revigorar o tecido empresarial com o objectivo de reinventar a economia portuguesa, concluindo o economista que no essencial é «necessário reinventar Portugal».

Assim, os domínios com potencial estratégico para Portugal, de modo a passar de um «cenário de definhamento para um de desenvolvimento» englobam sectores como o turismo, ambiente, cidades e desenvolvimento, serviços de valor acrescentado e, por fim, o hypercluster da economia do mar. Estes sectores deverão ser trabalhados, tendo por base uma questão estratégica fundamental: Portugal/Europa/África/Brasil. Esta articulação foi apontada por Ernâni Lopes como solução para a economia nacional, não querendo, no entanto, dizer que «estejamos em todo o lado ao mesmo tempo, mas temos de ter a capacidade de apostar em sectores e países/regiões que possam tornar-nos competitivos, viabilizando um aumento das nossas exportações, tão vitais para a nossa economia».

As respostas de dimensão empresarial estão, desde logo, condicionadas pela falta de confiança que o tecido empresarial português tem no Estado, existindo até um preconceito negativo sobre as próprias empresas. Assim, os mecanismos de actuação terão de passar por três critérios permanentes – eficiência, eficácia e economicidade – coadjuvados por seis parâmetros decisivos: produtividade, produto, preço, custo, mercado e competitividade.

A concluir a sua intervenção, o ex-ministro das Finanças e do Plano do IX Governo Constitucional referiu que «nada está ganho, nada está perdido em termos da evolução estratégico-estrutural», mas importa compreender, avaliar e fazer progredir o quadro estrutural num conceito de longo prazo. Aliás, a conclusão levou o primeiro orador do 2.º Congresso da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição a lembrar que «quando se desenvolve um projecto ou um produto, qualquer estratégia deverá ser sempre encarada a longo prazo. O curto prazo é um longo prazo compactado e caso as empresas não se adaptarem a esta realidade, não sobreviverão, porque afinal vivemos num mundo mutável, incerto e complexo».