Distribuição

Marca própria aumenta oferta

Por a 5 de Abril de 2006 as 10:23

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As marcas da Distribuição continuam a marcar pontos num mercado cada vez mais competitivo. A tendência é para continuarem a crescer nos próximos anos e explorarem novas categorias de produto. Sessenta por cento dos consumidores mundiais confiam nestas marcas e, na hora de fazer as compras, o baixo preço tem um papel cada vez mais decisivo.

A marca própria vai continuar a crescer a nível mundial conduzida pelas grandes empresas retalhistas que apostam cada vez mais na extensão das suas insígnias e estratégias de negócio a novos países, onde a concentração de lojas é reduzida. Para responder ao aumento de competitividade do mercado global, a tendência é alargar a oferta da marca própria a produtos pouco explorados por este conceito. O objectivo é competir com baixos preços, já que o consumidor manifesta-se cada vez mais disposto a comprar este tipo de produtos. Uma pesquisa realizada pela consultora Nielsen indica que 60 por cento dos consumidores mundiais vê a marca própria como uma boa alternativa às marcas dos fabricantes. Em Portugal, a percentagem sobe aos 91 por cento, o que demonstra bem a importância do factor preço em termos nacionais.

Por outro lado, trabalhar nesta lógica dá ao retalhista a possibilidade de escolher o fornecedor mais barato e controlar a cadeia de abastecimento, pois actuam como triplos agentes. São, em simultâneo, «clientes dos fornecedores, aqueles que competem com as marcas dos fabricantes, assim como os que decidem o espaço e a posição a ocupar nos lineares das lojas». A marca própria tem ainda a mais-valia de poder ser utilizada como estratégia para preencher nichos de mercado que não são suficientemente interessantes para as marcas líderes. Estas são as principais conclusões do estudo Private Label Trends Worldwide 2006, levado a cabo pelo Planet Retail.

Paralelamente ao desenvolvimento progressivo da marca própria, o crescimento das insígnias discount tem feito com que as marcas exclusivas passem a ser cada vez mais importantes no cabaz de compra dos consumidores, uma vez que essa constitui a filosofia de base deste conceito retalhista. É verdade que estes operadores estão também a integrar marcas de fabricante no sortido, mas sempre com elevada selectividade em termos de fornecedores. Em acrescento, a grande maioria dos operadores retalhistas está a conquistar igualmente o espaço do primeiro-preço, antes pertença dos fornecedores. O papel das marcas do distribuidor, em sentido lato, ou seja, englobando tanto a marca própria como a exclusiva e a gama de primeiro-preço, ganha crescente importância.

Regra geral, os retalhistas mundiais segmentam a marca própria em três ou quatro categorias com base em diferentes preços: Budget, Standard, Premium e Especial. Desta forma, têm possibilidade de se focarem em diferentes targets. Ou seja, o posicionamento do produto é feito a partir do preço e muda consoante a região onde a insígnia opera. E existem diferenças significativas consoante os formatos: a adopção da marca mãe (identificação de insígnia) no nome dos produtos é mais frequente quando a competição no preço é maior, ou seja, onde operam maior número de lojas de discount, explica o estudo. Por outro lado, no conceito discount, para dar ao consumidor a impressão de grande variedade na oferta, os retalhistas criam diferentes marcas que operam com um preço similar, estratégia inversa à dos restantes operadores que posicionam a marca própria a partir do preço.

Colagem estratégica

A imagem dos produtos é fundamental e, sabendo-o, os distribuidores estão a investir cada vez mais no design dos produtos. A tendência é optar pelo benchmarking, ou seja, seguir a mesma linha dos produtos dos fabricantes. O objectivo desta estratégia é esbater a fronteira que distingue a marca própria das grandes marcas aos olhos do consumidor. A colagem às marcas tradicionais pode ser mais ou menos expressiva, mas é sempre um elemento estratégico a ter em conta na concepção da marca do distribuidor.

A elevada adesão dos consumidores à marca própria permite aos retalhistas alargar este negócio a novos produtos, sobretudo aos sectores que exigem grande confiança por parte dos consumidores, como é exemplo a alimentação infantil, uma das áreas onde a marca própria mais cresceu. Os produtos dietéticos são outro exemplo e constituem a mais recente aposta da cadeia de discount Lidl. A insígnia alemã anunciou recentemente que está a testar uma nova gama de produtos com estas características, constituída por 21 produtos, com baixo teor de açúcar e gordura, denominada Linesse.

As vendas de produtos de marca própria têm impacto muito significativo no negócio dos retalhistas. A Aldi, como insígnia discount, é a empresa que apresenta maior percentagem de vendas de marca própria face ao volume total comercializado. Em 2004, a empresa alemã registou vendas na ordem dos 37,8 mil milhões, sendo que 95 por cento dos produtos eram de marcas próprias. Com o mesmo valor de vendas, em segundo lugar, está o grupo alemão Schwarz, que detém a insígnia Lidl, mas desta feita com 63 por cento de produtos de marca própria. Por sua vez, quase metade das vendas das insígnias Tesco e Target pertencem a estes produtos. O Carrefour vendeu 32 por cento de marca própria no mesmo ano, enquanto o Intermarché comercializou 35 por cento. Já a Auchan vendeu 25 por cento destes produtos no mesmo período. O líder mundial de vendas a retalho, com facturação anual de 252 mil milhões de euros, perfaz 37% das vendas em marcas do distribuidor.

Privilégios nos lineares

Do conjunto de factores que estão na origem do crescimento da marca própria, o estudo do Planet Retail destaca o rápido desenvolvimento e concentração do mercado retalhista, o elevado número de parceiros internacionais no negócio, a facilidade e privilégios na colocação de produtos nos lineares, o baixo preço, a expansão dos operadores de discount, assim como o facto dos consumidores estarem mais informados e depositarem mais confiança na marca própria. Apesar de estes factores actuarem em simultâneo, existem mercados onde alguns pesam mais do que outros. Por esta razão, a penetração da marca própria é maior na Europa (23%), tendo como base de análise as vendas em valor, onde a grande maioria destes factores está presente.

Na América Latina, por exemplo, a penetração da marca própria é reduzida (2%). Ainda de acordo com a mesma fonte, esta marca atinge 16 pontos percentuais na América do Norte e seis por cento nos mercados emergentes (Hungria, Eslováquia, África do Sul, República Checa, Croácia). No global, a marca própria tem uma penetração de 17 por cento, registando uma subida de dois pontos percentuais entre 2004 e 2005. Os mercados que verificaram maiores subidas no consumo de marca própria são, respectivamente, os emergentes (11%) e a América do Norte (7%). Em Portugal, a quota da marca própria atinge 11 por cento mas no país vizinho ultrapassa 25 por cento. No país onde o conceito de discount está mais desenvolvido, a Alemanha, a percentagem chega aos 30 pontos.

Quota por segmento

Em termos quota de mercado da marca própria por segmentos, baseada em vendas em valor ao longo de 2004, dominaram as refeições prontas, com 32 pontos percentuais. Estes produtos apresentaram um crescimento de nove por cento face ao exercício anterior. Logo de seguida posicionam-se: papel e plástico (31%), congelados (25%), pet food (21%), alimentos que não precisam de refrigeração (19%), higiene feminina e fraldas (14%), cuidados com a saúde (14%), bebidas sem álcool (12%), higiene caseira (10%), snacks e pastelaria (9%), bebidas alcoólicas (6%), cuidados pessoais (5%), cosméticos (2%) e alimentação infantil (2%). Os maiores crescimentos registaram-se nos sectores da cosmética (23%), alimentação infantil (13%), bebidas sem álcool (12%), pet food (11%) e limpeza doméstica (10%).

Tendo em conta apenas o universo alimentar, segundo um estudo da AC Nielsen, realizado em 38 países, a quota de marca própria cresceu de 14 por cento, em 1995, para 20 por cento, em 2005. Segundo a mesma fonte, estima-se que em 2010 a marca própria atinja uma quota de 24 por cento e cinco anos depois de 28 por cento. Daqui a 14 anos a quota da marca própria, segundo as previsões da consultora, ultrapassará os 30 por cento.

Regra geral, as vendas de marca própria são mais elevadas em volume do que em valor, como se compreende face ao posicionamento de preço deste conceito. Segundo o estudo, estes produtos são mais baratos do que os dos fabricantes consoante as categorias de produtos. No entanto, a variação é, nos exemplos do estudo, de duplo dígito em todos os segmentos.

Na área dos cuidados pessoais o diferencial de preço entre marca própria e marca de fabricante pode atingir 46 pontos percentuais. As marcas de distribuição de pet food podem custar menos 42 por cento e os produtos do segmento dos cuidados com a saúde menos 37 pontos percentuais. As áreas de limpeza caseira, higiene feminina e bebidas sem álcool podem apresentar variações de preço entre menos 32 e 36 por cento. Por sua vez, as categorias alimentos que não precisam de refrigeração, snaks e pastelaria, bebidas alcoólicas, alimentação infantil, papel e plástico, cosméticos e congelados variam o preço entre menos 20 e 27 por cento. Por último, as refeições prontas apresentam variações na ordem dos 16 por cento, sendo curioso verificar que o menor diferencial ocorre na área de produtos onde já existe maior penetração da marca própria.

Influenciar consumidor

O preço é decisivo, mas outros factores podem influenciar o consumidor no momento da compra, como a imagem, a confiança, o posicionamento e a reputação da respectiva insígnia. Em alguns países, onde o mercado da marca própria está mais maduro, a ideia de que estes produtos são direccionados para pessoas pobres já foi ultrapassada. E é por isso também que os distribuidores se sentem agora mais à vontade para se aventurarem em novas categorias de produto que exigem mais confiança por parte do consumidor.

As recomendações de amigos e familiares que já experimentaram as marcas da Distribuição podem aumentar o consumo e determinar o sucesso destes produtos. Por esta razão, os retalhistas trabalham na promoção das suas marcas, não só copiando a imagem dos produtos dos fabricantes como inclusive utilizando as mesmas ferramentas de marketing na comunicação. Desta forma, a diferença entre as marcas próprias e a dos fabricantes passa despercebida ao consumidor. Contudo, há também um outro elemento a ter em conta: a marca própria é hoje um elemento de diferenciação entre insígnias e, nesse sentido, a estratégia tem vindo a ser alterada. Hoje em dia estamos já num patamar em que a marca própria se pode afirmar por si própria, sem necessidade de uma colagem exagerada aos produtos tradicionais.

Outra razão que pode aumentar o consumo deste tipo de produtos, segundo o estudo, é o facto de os consumidores, no caso específico da área alimentar, considerarem que este sector é menos relevante e, como consequência, gastam a menor fatia possível do orçamento nestas compras. Por outro lado, o consumidor compra marca própria quando não existem produtos equivalentes disponíveis nas lojas.

Poder de negociação

Como se disse, a marca própria permite aos retalhistas diferenciar-se dos concorrentes e, consequentemente, ganhar a fidelidade do consumidor. Este factor, de acordo com o estudo, é bastante importante em mercados onde há elevada concentração de operadores retalhistas. Ao desenvolverem marcas próprias, os distribuidores fortalecem a sua identidade corporativa, assim como aumentam a influência na cadeia de valor, desde a origem do produto até à prateleira da loja. Esta é a principal razão da aposta dos retalhistas no desenvolvimento das suas próprias marcas, ganhar controlo sobre os processos que envolvem a cadeia de valor para reduzir custos. Com o controlo do produto desde a origem, os retalhistas aumentam o seu poder em áreas tão distintas como ingredientes, marketing, design da embalagem, preço, o posicionamento, espaço a ocupar na prateleira, assim como funcionalidade e apresentação do produto.

Além do controlo sobre a cadeia de abastecimento, os retalhistas ganham poder de negociação, factor que lhes permite escolher o fornecedor mais barato. Isto, em conjunto com os baixos custos na publicidade dos produtos, permite elevadas margens, assim como investir na promoção das marcas dos distribuidores em detrimento das grandes marcas.

Escolhas decisivas

Há várias razões pelas quais alguns fabricantes estão interessados em explorar o negócio das marcas da Distribuição em conjunto com as suas próprias marcas. O facto de conseguirem competir através do preço, a comunicação feita exclusivamente para o retalhista, que permite a ausência de departamento de marketing, relações públicas ou publicidade, são algumas vantagens, tal como o facto de não pagarem entrada em linha, manterem relações de proximidade com a Distribuição e encontrarem saída para a capacidade produtiva, num universo em que a marca de fabricante passa por crescentes dificuldades.

Contudo, também é verdade que esta situação pode deixar os fabricantes em excessiva dependência, razão pela qual, do ponto de vista da estratégia comercial, muitos dos produtores continuam a preferir focar-se no seu core business, ou seja, no desenvolvimento e fortalecimento das suas marcas e identidade.

Esta transferência de poder para as mãos dos retalhistas está a preocupar cada vez mais os fabricantes. Na Alemanha, por exemplo, país onde a marca própria tem muita força, graças ao poder dos operadores de discount, a Associação Nacional de Marcas está a tentar convencer os políticos a fixar um preço para os retalhistas comercializarem as marcas dos produtores.

Face ao crescimento da marca própria, os fabricantes, sugere o estudo, devem adoptar uma série de estratégias: inovação contínua, extensões de gamas de produtos, investir em investigação e desenvolvimento, assim como em publicidade e eventos de marketing. Apostar nas promoções, sublinhar benefícios adicionais dos produtos, conceber embalagens especiais que permitam ao consumidor distinguir bem os diferentes produtos constituem outras estratégias que determinarão a sobrevivência dos fabricantes neste “universo” onde os retalhistas ditam cada vez mais regras.