Distribuição

Desafios futuros

Por a 5 de Abril de 2006 as 10:39

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Antecipando o 2.º Congresso do Comércio Moderno, organizado pela APED, Eduardo Catroga revelou à Hipersuper que a economia portuguesa só poderá crescer por via do aumento da produtividade. Num mercado cada vez mais global, a internacionalização é vital para a sobrevivência das empresas, considerando o economista a subida do IVA como um factor negativo do ponto de vista da competitividade e do consumo das famílias.

Hipersuper (H): Quais os principais desafios que se colocam actualmente na economia portuguesa, tendo em atenção o alargamento da UE?

Eduardo Catroga (E.C.): Os principais desafios da economia portuguesa ligam-se com um objectivo crítico: o aumento da produtividade, ou seja, por outras palavras, a melhoria do valor acrescentado nacional por recurso humano ou capital empregue. Só por essa via é possível acelerar o processo de convergência real e assim aumentar os níveis de bem-estar económico e social. É este o grande desafio que se coloca quer às políticas públicas (da responsabilidade dos governos) quer às políticas empresariais (da responsabilidade dos empresários e gestores).

Se os governos têm a obrigação de melhorar continuamente o ambiente geral favorável à actividade económica, os empresários e gestores, por seu turno, têm que aumentar, também de forma sustentada, as aptidões e competências das empresas para produzirem bens e serviços de valor acrescentado crescente: investindo nos sectores expostos à concorrência internacional, inovando nos produtos, processos e serviços, reforçando as quotas de mercado, e implementando estratégias de diferenciação em segmentos alvo.

O alargamento da UE e a globalização crescente dos mercados devem constituir um estímulo à aceleração necessária das acções estruturais que temos que executar tanto na esfera das políticas públicas, como no âmbito dos sectores e empresas.

H: Em que ponto teremos que estar em 2013, quando terminar o quadro comunitário de apoio?

E. C.: Quando terminar o quadro comunitário de apoio em 2013 podemos ter um Portugal mais competitivo, se entretanto todos, – governos, empresas e cidadãos -, nas suas áreas de actuação, trabalharem com qualidade no sentido da melhoria do valor acrescentado nacional.

Quanto ao quadro comunitário de apoio, deve salientar-se que o futuro depende de nós e não de subsídios, que apenas podem ajudar, se bem aplicados. E é importante que o sejam.

H: Do ponto de vista produtivo, e concretamente no ramo alimentar/bebidas, quais os sectores em que podemos e devemos apostar estrategicamente tendo por pano de fundo uma competitividade alargada à escala europeia?

E. C.: Eu diria que, estrategicamente, devemos apostar em dois eixos fundamentais:

i) “Upgrading” contínuo dos sectores que representam a maior fatia do tecido produtivo português, os chamados “sectores tradicionais” e os novos desenvolvidos nos últimos quinze anos (exs.: sectores automóvel, electrónica e afins).

Recorde-se que já em 1995 estes novos sectores, de maior conteúdo tecnológico, ultrapassaram o volume de exportações dos “tradicionais” (têxteis, vestuário e calçado.)

ii) Introdução de novas actividades de alto valor acrescentado, aproveitando oportunidades que existem em todos os sectores da economia, e naturalmente, também, no ramo alimentar/bebidas. Compete aos empresários e gestores, a partir das vantagens competitivas das empresas, seleccionar os projectos em concreto.

O Estado, através das políticas públicas e dos apoios financeiros, deve estimular a consecução desse objectivo, dando prioridade aos projectos de maior valor acrescentado (que tanto podem estar localizados no sector primário, como no secundário ou nos serviços) e que aumentem a competitividade internacional da economia portuguesa.

Mas o grande papel é das empresas, sendo igualmente fundamental a nossa capacidade de atracção de investimento directo estrangeiro que traga tecnologia e mercados. Neste campo, os governos têm a obrigação de tornar Portugal competitivo (em todos os domínios) em relação aos países concorrentes na atracção de poupança e investimentos. Para tanto, têm que aprofundar permanentemente a interiorização desta necessidade vital e, consequentemente, executarem ou estimularem as reformas e as reestruturações necessárias.

H: A internacionalização das empresas, tanto do lado da Produção como da Distribuição, é viável e deve ser o caminho a seguir?

E. C.: A internacionalização é uma política crítica para as empresas e para a economia portuguesa como um todo. Num ambiente cada vez mais globalizado, as empresas, para serem concorrenciais, têm que buscar matérias-primas, mercados, tecnologia e recursos humanos e financeiros onde necessário, para responderem à concorrência e acrescentarem valor.

Isso obriga as empresas a analisar, em pormenor, a sua cadeia de valor e a cadeia de valor dos “concorrentes excelentes”, e a executar estratégias competitivas em relação a todas as actividades do processo produtivo, incluindo, claro, a deslocalização (total ou parcial), de algumas das funções: aprovisionamento, produção, logística, vendas, distribuição, etc. Trata-se de uma decisão cujo conteúdo em concreto não se pode generalizar, pois depende das características estruturais dos sectores e empresas, pelo que tem que ser analisada no âmbito da estratégia competitiva de cada empresa.

H: Qual a análise que faz sobre o aumento do IVA e suas consequências no grande consumo?

E. C.: A competitividade depende de um conjunto complexo de factores (um verdadeiro sistema de factores) que radicam nas políticas públicas e nas políticas empresariais. Exige uma visão sistémica. No campo das políticas públicas tem a ver com a qualidade dos sistemas da responsabilidade do Estado. Exemplos: qualidade das instituições, do sistema educativo e da formação profissional, da qualidade do sistema de justiça, das infra-estruturas físicas e sociais de apoio ao desenvolvimento, do sistema de apoio à inovação empresarial, sistema fiscal, etc.

Reportando-me mais concretamente ao factor “competitividade fiscal”, eu diria que ele é decisivo para um país periférico como Portugal que ainda tem algumas fragilidades nos demais factores críticos (exs.: sistema educativo, sistema de justiça, sistema burocrático, etc.). Mas há que ter consciência que a competitividade fiscal depende, em ultima análise, do nível da despesa pública (e da sua qualidade).

Na minha opinião, Portugal – que em 1995 tinha um nível de despesa pública corrente primária inferior à Espanha por exemplo – deixou “engordar” o Estado nos últimos dez anos a um nível não compatível com o estádio de desenvolvimento do País; a despesa pública em excesso representa, neste momento, cerca de oito pontos percentuais da riqueza nacional (PIB). Logo, o Estado está a retirar recursos às famílias e às empresas e a prejudicar a “saúde” global da economia.

O aumento do IVA, primeiro de 17 para 19% e depois para 21%, é uma consequência directa do nível de despesa pública em excesso. Pelo que atrás referi, deduz-se que considero a subida do IVA um movimento negativo do ponto de vista da competitividade e do consumo das famílias.