Distribuição

Sector alimentar em Portugal

Por a 17 de Março de 2006 as 16:07

Sector alimentar em Portugal

O sector da Distribuição em Portugal mantém singularidades muito próprias, como o peso ainda significativo do comércio tradicional ou o facto de a liderança pertencer a dois operadores nacionais, contrastando claramente com o cenário encontrado na grande maioria dos países europeus. Falamos de um universo que movimenta por ano cerca de 10 mil milhões de euros, que evoluiu 7,3% no último exercício e que se caracteriza pelos elevados índices de profissionalização e know-how, em particular no canal moderno.

O actual ambiente económico para o retalho em Portugal diverge radicalmente do que se verificava há alguns anos. Na realidade, durante praticamente quatro exercícios financeiros as autoridades oficiais impuseram uma legislação que condicionava o crescimento das grandes superfícies comerciais ou dos grupos com quotas de mercado significativas, o que inclusivamente colocou alguns projectos em causa, como por exemplo na cadeia Plus, dos alemães da Tengelmann.

Contudo, em finais de 2004 a legislação é abolida e entra-se numa nova fase, bem mais dinâmica ao nível dos planos de investimento dos principais operadores. Tal facto está a legitimar o crescimento orgânico das insígnias já presentes e a viabilizar a entrada de alguns dos mais importantes players internacionais, como por exemplo a Aldi. É uma fase de enorme expansão que no entanto traz consigo um novo paradigma competitivo, extremamente espartilhado no preço e condicionado a um consumidor particularmente táctico e racional na hora de escolher o cabaz de compras.

O sucesso dos conceitos discount, tal como tem acontecido por toda a Europa, é uma realidade já omnipresente e em franco crescimento. Para além da Lidl e da Plus, já com parques de lojas significativos e com elevado número de autorizações para inauguração de novas unidades, o País conta neste particular com a força da cadeia Minipreço, agora na esfera do Carrefour após aquisição da espanhola Dia, e com a inversão estratégica implementada na rede de supermercados Pingo Doce, aproximando-se claramente de uma lógica discount, mas mantendo em pleno o capital de confiança e a imagem de qualidade de que sempre beneficiou junto do consumidor português. Em acrescento, os Mosqueteiros (Intermarché) detêm cinco licenças para estrear a Netto e os alemães da Aldi também já contam com duas autorizações para entrar no País.

Apesar do acréscimo de competitividade, esta é, como se disse, uma fase particularmente favorável para o sector. A juntar à “abertura de mercado” temos o facto de as autoridades oficiais terem viabilizado novos negócios para os operadores, concretamente a comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica (OTC’s), que em Portugal movimenta cerca de 270 milhões de euros anuais, e também a instalação de postos de combustível junto das superfícies comerciais.

Contudo, também existem restrições significativas que dificultam o contexto operacional. Em primeiro lugar, superfícies que tenham área igual ou superior a 2.000 m2 estão obrigadas a encerrar as domingos e feriados durante o período da tarde, com excepção dos meses de Novembro e Dezembro. O quadro legislativo em vigor tem sido profundamente criticado pela associação representativa dos operadores de distribuição (APED) mas o actual Secretário de Estado do Comércio e Serviços, Fernando Serrasqueiro, já referiu não pretender alterar a Lei, pelo menos por enquanto. Por outro lado, o sector diz-se estrangulado devido ao aumento do IVA de 19 para 21 por cento, o que traz dificuldades acrescidas ao consumo num País onde os salários são por regra baixos.

Sonae na liderança

Com um volume de vendas de 2,2 mil milhões de euros no mercado interno, a Modelo Continente SGPS lidera o sector de retalho português. O grupo dispõe das insígnias Continente, no formato hipermercado, e da Modelo e Bonjour no conceito de supermercado, para além de diversas marcas de retalho especializado, onde faz agora uma aposta estratégica particularmente forte. De facto, após a venda dos activos no Brasil aos norte-americanos da Wal-Mart, a companhia deixou de ter operação internacional, mas prepara-se agora para “exportar” as suas insígnias de índole não alimentar.

Do ponto de vista estratégico, e para além da aposta clara no retalho especializado, é de salientar o facto de a empresa estar a lançar uma gama de 1º preço, colocada em zona nobre de linear e com comunicação massiva em ponto de venda. Esta tendência corresponde, aliás, às antevisões de alguns analistas, que referiam a possibilidade de se caminhar para um posicionamento em linear composto por um primeiro preço, marca do distribuidor, e duas ou três marcas de referência, dependendo naturalmente da categoria em causa. O que acontece é que os distribuidores estão igualmente a conquistar esta faixa de produtos, como já fez o Carrefour através da marca 1.

A Sonae, holding que incorpora a Modelo/Continente, está neste momento em fase particularmente animada, depois de Belmiro de Azevedo ter lançado uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) sobre a Portugal Telecom, no ramo das telecomunicações. O negócio está avaliado em qualquer coisa como 11 mil milhões de euros e deverá canalizar grande parte do esforço de investimento do grupo, razão pela qual se desconhece as consequências para os restantes negócios do grupo. Certo é que os activos no Brasil já foram alienados e Nuno Jordão, presidente do conselho de administração da Modelo/Continente, já admitiu que vender em Portugal também não está colocado de parte, caso surja uma oferta suficientemente tentadora. Nesse contexto, a Sonae sairia do negócio da Distribuição e concentraria baterias noutros ramos de actividade.

Inversão estratégica

No segundo lugar do ranking dos distribuidores em Portugal encontramos outra companhia portuguesa: a Jerónimo Martins, que opera nos formatos supermercados (com as lojas Pingo Doce), hipermercados e médios formatos (com a chancela Feira Nova) e ainda na área grossista, através da cadeia Recheio. Depois de alguns anos de grandes dificuldades do ponto de vista financeiro, em 2001 o grupo encetou uma revolução estratégica que permitiu inverter a tendência negativa que vinha registando.

Em primeiro lugar, vendeu a cadeia Sé no Brasil, que contribuia negativamente para o balanço, e também os hipermercados e cash & carry na Polónia. A actividade internacional ficou assim focalizada na insígnia discount Biedronka, que lidera o mercado polaco com um parque de lojas superior a 800 unidades e com perspectivas de chegar a 1.000 rapidamente. O sucesso da Biedronka foi tal que rapidamente o grupo percebeu que essa lógica teria que ser implementada também em Portugal. De facto, com o avanço das cadeias discount, a Pingo Doce, conotada como careira mas com elevado capital de prestígio junto do consumidor, perdeu o seu principal argumento de venda: a proximidade.

Nesse sentido, a lógica concorrencial foi radicalmente alterada. Durante três anos seguidos a Pingo Doce imprimiu uma deflação à volta dos três pontos percentuais por exercício, sendo hoje das insígnias mais baratas presentes no mercado português. Isto passou também por uma maior selectividade ao nível do sortido e pela crescente aposta na marca própria. A cadeia, todavia, conseguiu manter a imagem de qualidade associada, beneficiando de uma rede extensa de quase 200 unidades.

Nas restantes marcas, são de destacar as dificuldades na Recheio e a mudança de planos também definida na Feira Nova. Antes concentrada no formato hiper, a rede de lojas está agora a apostar nos médios formatos abaixo dos 2.000m2, abrindo todo o dia aos domingos e feriados. Esta estratégia espelha bem a saturação das tipologias de loja de maior dimensão e as necessidades do mercado nacional, carenciado de unidades medianas e fora dos principais pólos habitacionais.

Os franceses

O terceiro operador é neste momento o grupo francês ITM (Os Mosqueteiros), que paralelamente à área alimentar, onde explora as marcas Intermarché e Ecomarché, tem vindo a desenvolver novos conceitos não alimentares, como o Bricomarché, Vêtimarché ou Stationmarché. Por outro lado, dispõe já de cinco licenças para implementar a cadeia de hard discount Netto, que terá a sua estreia dentro de alguns meses. A performance financeira dos Mosqueteiros em Portugal tem sido consistente, crescendo acima da média do mercado e atingindo cifras na ordem dos 1,3 mil milhões de euros, o que representa qualquer coisa como dez por cento da facturação total do grupo.

Quanto ao Carrefour, tem no País duas lógicas totalmente distintas. Opera nos grandes formatos através do nome do grupo, mas todavia apenas dispõe de sete unidades em funcionamento e uma licença para nova construção, o que contraria claramente a lógica com que geralmente aborda os diferentes países. Habituado à liderança – é o maior retalhista europeu e o segundo maior a nível mundial – o grupo apenas ocupa a sétima posição no ranking português. No entanto, e em consequência da aquisição da espanhola Dia, dispõe paralelamente da maior cadeia ao nível do número de lojas. A rede Minipreço contava com 344 unidades em 2004 e beneficia de 39 licenças para novas lojas. Ainda que a gestão financeira seja totalmente separada, contribui com um volume de negócios acima dos 600 milhões de euros para o grupo. Ou seja, factura mais que a própria marca Carrefour, que movimenta cerca de 500 milhões de euros por ano. No conjunto, portanto, os franceses geram um volume de negócios de 1,1 mil milhões de euros, o que os coloca como quarto maior operador.

Já a Auchan, que conta neste momento com 17 unidades hiper em funcionamento, afirmou ter 350 milhões de euros para investir em Portugal, mas também se fala que a filosofia terá que ser alterada, em virtude da saturação reconhecida por todos em relação aos hipermercados. Os franceses decidiram, há alguns anos, concentrar forças nesse formato, mas já admitiram que poderão ter necessidade de alterar a estratégia, apostando em lojas mais pequenas. Aliás, o Carrefour também já deu a entender a mesma lógica, o que pressupõe alterações significativas no panorama do investimento a realizar no País nos próximos tempos.

Os alemães

Uma das características mais marcantes no sector de retalho português nos últimos anos é o surgimento dos conceitos discount. Tudo começou com a Lidl, que rapidamente estendeu os seus tentáculos e consolidou uma presença particularmente carismática que, inclusivamente, obrigou os outros formatos a repensarem as suas políticas comerciais. Neste momento, a insígnia do grupo Schwarz conta com quase 150 unidades em funcionamento, as quais atingem montantes de facturação na ordem dos 900 mil euros por ano. Estes valores, contudo, são estimados pela APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) na medida em que a filosofia imposta a nível internacional faz com que não sejam divulgadas quaisquer informações financeiras relativamente à actividade em Portugal.

Alguns anos mais tarde entra a Plus, com perspectivas de montar em Portugal uma operação semelhante ao que havia conseguido em Espanha, onde em apenas quatro anos ultrapassou uma centena de lojas. Contudo, as limitações ao crescimento das modernas superfícies condicionaram um projecto que previa um parque de 120 unidades. Actualmente, abolidas as restrições, a Plus é a companhia, a par da Lidl, com maior número de autorizações (44) para inauguração de novas lojas, dando sequência ao projecto alinhavado inicialmente.

À força destes dois gigantes junta-se agora a estreia da Aldi. Aqueles que são os maiores operadores discount a nível europeu, facturando mais do que o grupo Schwarz, têm autorização para as duas primeiras lojas e já salvaguardaram um espaço de 20.000m2 no Logisparque, uma estrutura logística moderna e funcional que está a ser construída no centro do País. O anúncio de aquisição de terrenos no site português da companhia pressupõe uma lógica de construção de raiz, contrariando as previsões iniciais de que a empresa iria entrar por via aquisitiva. A verdade é que, olhando a tipologia de loja dos diferentes operadores, só os activos da Plus ou da Tengelmann são adaptáveis ao conceito Aldi.

Sector grossista

Ainda que o conceito denote algumas dificuldades, o sector grossista tem sido responsável pela manutenção de um tecido comercial minimamente consistente no âmbito do denominado comércio independente de proximidade, igualmente apelidado de canal tradicional e composto por pequenos pontos de venda. De facto, estruturas como a GCT, através da Elos Cash & Carry (que deriva da histórica Grula), ou a Manuel Nunes & Fernandes têm conseguido manter programas de fidelização (comércio integrado, neste último caso) que permitem compra conjunta e criação de imagem comum a diversos estabelecimentos, facilitando a identificação por insígnia e, como tal, a fidelização do cliente.

É certo que nos últimos dez anos desapareceram em Portugal cerca de 10.000 mercearias – hoje em dia são cerca de 18.000 no total do País – a uma média, portanto, de um milhar por ano. Mas, mesmo assim, o pequeno retalho continua a ter um papel importante no universo global do retalho. A GCT, por exemplo, tem mais de 700 lojas agrupadas entre as insígnias M Ponto Fresco e Frescos & Companhia, incluindo uma parceria com a Sonae que permitiu a comercialização da marca própria Modelo. A Coop Lisboa, por sua vez, tem neste momento 108 lojas.

No que diz respeito aos operadores grossistas propriamente ditos, é de salientar igualmente a estratégia implementada tanto na Recheio como na Makro, com o claro objectivo de seduzir o sector Horeca. A insígnia da Jerónimo Martins criou uma zona de loja (identificada por cor) e uma marca especialmente destinadas ao canal, enquanto a Makro desde há muito definiu esse sector como os seus clientes preferenciais, adaptando o sortido a essa necessidade.

A GCT, por seu turno, criou o Elos 24, um projecto de distribuição directa ao estabelecimento, algo que também a Recheio está a fazer. Significa isto que os operadores fizeram um esforço para se aproximarem do cliente, colocando produto no “domicílio”. E a verdade é que, apesar das dificuldades, estes grupos lá vão conseguindo suportar a operação, baseando-se tanto no pequeno comércio como no sector Horeca. Este facto traz ao ramo alimentar português uma especificidade muito própria que já não encontramos em muito países europeus.

Expansão acelerada

O futuro do retalho moderno em Portugal parece risonho, pelo menos no curto prazo. Com o desbloqueamento das licenças, todos os grupos estão a prosseguir o seu processo de expansão, enquanto outros chegam agora ao mercado, havendo a dúvida se não vêm já tarde de mais, como por exemplo acontece com a Aldi ou com a cadeia Netto. Contudo, este cenário implica igualmente muito maior competitividade, o que está a colocar enorme pressão sobre o preço e sobre os critérios de racionalidade operacional. O mercado português encontra-se hoje extremamente espartilhado no preço, mas deverá sê-lo ainda mais no futuro, pois os níveis de margens praticadas ainda estão acima da média europeia.

No ramo alimentar, o desconto deixa clara a sua força. No âmbito do novo regime, e face às lojas que ainda não entraram em funcionamento de acordo com última actualização da listagem oficial da Direcção-Geral da Empresa, estão licenciados 44 Plus, 44 Lidl, 39 Minipreço, cinco Netto e duas lojas Aldi. Ou seja, a breve trecho vão surgir mais 134 unidades discount no País.

Por outro lado, e como já foi assinalado, os grandes formatos estão em clara queda: apenas está atribuída uma licença para o Carrefour, obviamente exceptuando os hipermercados que abriram recentemente, mesmo assim alguns deles ainda ao abrigo de antigas autorizações. A insígnia Continente, por exemplo, não perspectiva mais qualquer loja; cadeias como a Jumbo ou a Feira Nova estão a concentrar-se nos médios formatos, no primeiro caso com unidades a rondar os 4.000 metros quadrados e no segundo com lojas abaixo dos 2.000 metros quadrados, permitindo a abertura aos domingos e feriados.

Quanto ao El Corte Inglês, o único investimento espanhol em solo lusitano depois da compra da Dia pelo Carrefour, prepara-se para abrir uma segunda unidade de departamentos na região Norte, o que fará disparar o grupo no ranking, uma vez que a nova loja terá dimensões semelhantes à de Lisboa, que factura 275 milhões de euros por ano, número que no entanto contabiliza as áreas alimentar e não alimentar, esta última responsável por grande parte das vendas. De qualquer modo, os espanhóis contam também com um espaço Supercor no conceito supermercado, tendo já licença para abrir mais dois.

Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o sector da Distribuição em Portugal está particularmente animado e dotado de uma dinâmica nunca antes vista, quer ao nível do investimento quer no jogo concorrencial entre os operadores. É um ramo de actividade particularmente modernizado no contexto de um país que tradicionalmente anda um pouco a reboque das tendências europeias. De facto, encontramos em Portugal as melhores práticas e níveis de profissionalismo “em linha” com o que se faz nos países mais desenvolvidos do Velho Continente, razão pela qual este sector é visto não só como estratégico para a economia e dia-a-dia dos cidadãos mas também como um exemplo a seguir por outras áreas económicas.