Distribuição

O «efeito Lidl»

Por a 17 de Fevereiro de 2006 as 9:59

Efeito Lidl

O Carrefour continua a ser o grupo mais internacional, mas a liderança está em causa devido à saída de alguns mercados. Assim sendo, o grupo Metro poderá atingir o primeiro posto durante 2006. Ao mesmo tempo, a Wal-Mart, líder mundial, mantém-se prudente na internacionalização. Certa é uma pressão cada vez maior sobre o preço, em grande parte devido ao sucesso dos formatos discount.

Na Europa, os principais operadores continuam a investir a Leste, mas a experiência recente mostra que estes não têm sido investimentos fáceis, particularmente do ponto de vista da rentabilidade das operações. Por outro lado, e daqui o chamado «efeito Lidl», a pressão sobre o preço, precisamente tendo como pano de fundo a expansão acelerada das insígnias do grupo Schwarz, é cada vez maior, limitando o raio de acção dos restantes formatos e obrigando-os a reformular as operações dando mais atenção à competitividade em preço.

A par do leste europeu, a Ásia constitui o outro grande foco de interesse para os investidores retalhistas, em especial China, Índia e Rússia. Se no primeiro caso já houve uma vaga de globalização, no segundo o cenário está agora facilitado através da maior abertura governamental para o investimento directo estrangeiro nesta área de negócio. Quanto à Rússia, dificuldades na transparência dos negócios e nos procedimentos fiscais têm limitado o apetite dos operadores, mas este é claramente reconhecido como um mercado de elevado potencial a médio prazo.

Face à saturação dos mercados domésticos, algumas zonas do globo mostram-se especialmente atractivas, mesmo que os operadores tenham que lidar com hábitos de consumo diferentes e contar com a concorrência local, que tem a vantagem de ter know how regional. Portugal é, inclusivamente, um bom exemplo desta situação, uma vez que a liderança de mercado é assumida por dois operadores nacionais, o que já não acontece na maioria dos países mais desenvolvidos, retirando naturalmente daqui os principais “exportadores” França e Alemanha, igualmente muito fortes nos seus países de origem.

Mas a verdade é que a globalização é uma realidade, ainda que seja possível afirmar que os retalhistas estão ainda a maximizar e optimizar as suas operações fora de portas, como se comprova pelo facto de muitos terem optado por sair de diversos mercados. Grupos como Ahold, Carrefour ou Delhaize, por exemplo, procuram maior equilíbrio entre o crescimento orgânico e a rentabilidade dos negócios.

A meio do caminho

Existe um longo caminho para percorrer. Em termos médios, os retalhistas com operação internacional encontram-se em seis países, e na maioria dos casos as vendas no exterior ainda representam uma pequena parte quer das vendas quer dos lucros. O grupo mais internacional, por exemplo, apenas consegue 24% da sua rentabilidade fora de França. A estratégia actual dos grandes grupos passa precisamente por uma maior concentração na rentabilidade em detrimento do crescimento em si, mesmo que obviamente a escala desempenhe um papel central para conseguir níveis de rentabilidade elevados. É por isso que alguns retalhistas têm vindo a rever o seu “portfólio”, desinvestindo em alguns países. A expansão internacional, se quisermos, é agora mais rigorosa e selectiva. E a verdade é que, com excepção da Ahold, que tem passado momentos particularmente difíceis, os cinco maiores grupos ao nível da internacionalização viram os seus números de rentabilidade crescer durante o ano passado.

A internacionalização é de facto uma perspectiva muito interessante. Veja-se o caso dos operadores alemães, que nesta fase estão de alguma forma a liderar o processo. Para além do crescimento exponencial do grupo Schwarz, a Metro – cuja contribuição da vertente internacional cresceu 50% no primeiro semestre de 2005 – tem também reforçado com consistência a operação fora de portas, ao mesmo tempo que a Aldi retomou o processo de expansão internacional, após três anos de inactividade nesta matéria. Segundo os analistas, e a globalização é hoje inevitável também na Distribuição, os líderes de mercado estão não só a ganhar escala como confiança para o desenvolvimento dos processos de internacionalização. Contudo, em termos gerais é possível afirmar que o retalho ainda é basicamente uma vertente de negócio local ou regional, apesar das claras mudanças a que assistimos nos dias de hoje. Pressão no preço

As dificuldades no consumo derivantes da crise financeira que têm vindo a assolar a Europa, a par do sucesso do conceito de desconto (o efeito Lidl), colocam cada vez maior pressão sobre o preço. Mesmo onde tradicionalmente essa vertente não é tão importante, como os países nórdicos, a relação de forças sofreu fortes abalos após a entrada da Lidl, que estabeleceu operações na Finlândia, Noruega e Suécia, para além das perspectivas para entrada na Dinamarca a curto prazo. A Suiça, outro dos mercados tradicionalmente conotados com elevados preços na venda a retalho, é também cobiçada pelos alemães, acompanhados, aliás, dos seus congéneres da Aldi.

Também a Wal-Mart, que continua muito baseada nos Estados Unidos, já deu a entender que pretende agora reforçar a operação exterior. A compra dos activos da Sonae no Brasil é disso um bom exemplo, mas espera-se que a companhia venha igualmente a atacar a Europa, onde a presença ainda é muito discreta, limitada ao Reino Unido e Alemanha. Com maior ou menor apetite, os principais players olham atentamente para as oportunidades de negócio fora de portas, tanto na Europa como noutras regiões do globo.

A grande questão que se coloca às cadeias tradicionais é o facto de estarem a ser espartilhadas dos dois lados. De um, o factor preço através do advento do discount e de operadores em grande escala. Do outro, as lojas especializadas e que apostam noutras vertentes como o serviço – por exemplo a Whole Foods – um caso ímpar de enorme sucesso não em volume mas em valor, ou seja, em rentabilidade, o que constitui, precisamente, o objectivo principal dos retalhistas quer à escala nacional quer internacional.

O factor preço parece destinado a conceitos de especialização, como lojas gourmet ou concentradas em produtos específicos e com alto nível de serviço, absolutamente personalizado e também ele especializado. Disso serão exemplos garrafeiras, lojas de cafés, entre outras. De resto, não há dúvida que a palavra de ordem é ser competitivo no preço, sob risco de a concorrência conseguir ganhar a guerra da fidelização dos clientes.

Veja-se o exemplo português que talvez seja mais marcante neste particular. Assumidamente, a começar pela comunicação ao consumidor, a cadeia Pingo Doce tem vindo sucessivamente a baixar preço. Anteriormente conotada como careira, apesar do inegável prestígio e imagem de qualidade de que gozava, beneficiando também do factor proximidade para poder aumentar margens, a verdade é que tem vindo a implementar deflações sucessivas na ordem dos três pontos percentuais ao ano. Certamente, o grupo inspirou-se no sucesso da Biedronka na Polónia, o que reforça ainda mais a oportunidade desta inversão estratégica. O conceito actual, por exemplo, aposta num sortido mais seleccionado e numa crescente oferta de marca própria, características geralmente indexadas aos descontos, ainda que neste caso com marcas exclusivas.

Sentido inverso

Porém, é igualmente curioso avaliar a evolução dos discount, à medida que as diferentes tipologias de loja vão esgrimindo os seus argumentos. Já poucos operadores adoptam a estratégia de hard discount, caracterizada por exemplo pela aquisição dos sacos plásticos ou por não haver recurso a pagamento por cartão electrónico, para além do fraco investimento na atractividade da loja e pela definição de sortido centrada em marcas exclusivas (leia-se aqui marcas apenas comercializadas pela cadeia mas que não identificam a insígnia em causa, contrariamente às marcas próprias).

Actualmente, assiste-se também a um esforço para colocar em linha algumas marcas de fabricante, bem como a uma disposição de loja mais cuidada e a uma noção de serviço, ainda que com as devidas proporções, bem maior. Por outro lado, cada vez mais os discount procuram alargar a sua oferta, saindo do espartilho inicial dos bens de primeira necessidade. Inclusivamente, a nível internacional vemos já produtos na área da higiene e beleza ou mesmo na nutrição infantil, onde tradicionalmente existe muito mais apetência para a comprar marcas de confiança.

Obviamente, também se torna evidente que este é um reflexo do próprio comportamento do consumidor, que começa a ganhar consciência da necessidade das insígnias apresentarem produtos de qualidade, em particular na marca própria, onde estão claramente identificadas, mas também nas exclusivas. Ou seja, o consumidor ganha confiança e o mercado vai-se adaptando a esse facto, alargando os níveis de penetração das marcas de distribuição e também as categorias de produto em que encontramos referências dispostas em prateleira.

Dimensão global

Como se disse, o grupo mais internacional é o Carrefour, com presença em 31 países. A operação internacional representa cerca de 50% das vendas totais do grupo, mas contribui apenas com 25% para os lucros, de onde se comprova precisamente as dificuldades que os operadores têm sentido em fazer das suas investidas externas uma operação com níveis de rentabilidade semelhantes aos que detêm nos países de origem. Os franceses ocupam a segunda posição no ranking dos retalhistas mundiais, logo atrás da Wal-Mart, que todavia tem vendas superiores em cerca de 2,5 vezes, apesar de uma presença internacional muito mais modesta, pois apenas está presente em 13 países, que contribuem com 22% das vendas totais do grupo. O Carrefour, em termos globais, factura 90 mil milhões de euros, enquanto a Wal-Mart atinge cifras na ordem dos 250 mil milhões de euros.

Em fase de forte expansão internacional encontram-se os alemães da Metro, os donos da cadeia Makro e também de outras insígnias menos desenvolvidas em Portugal, como é o caso da Media Markt. Tendo ultrapassado a Ahold na tabela dos maiores retalhistas a nível mundial – os holandeses são agora quarto classificado – a Metro atinge valores de facturação na ordem dos 65 mil milhões de euros, sendo que metade desse valor é resultante da expansão internacional. São também o segundo grupo mais internacional, pois têm activos em 29 países, falando-se mesmo que poderão ultrapassar o Carrefour dentro de algum tempo, tendo em atenção o facto de os franceses estarem a seleccionar a expansão, saindo de alguns mercados menos rentáveis.

Curiosa é a performance da Lidl. É o quarto grupo mais internacional – está em 19 países a par dos franceses da Casino – numa expansão extremamente acelerada nos últimos anos e que teve por base a entrada em dois novos mercados a cada exercício. No ranking de facturação, os alemães encontram-se apenas na 11ª posição, mas subiram três lugares de 2003 para 2004, o que mostra o efeito de alavanca que o processo de expansão internacional está a proporcionar. Na realidade, e face ao elevado prestígio dos grandes rivais da Aldi no mercado doméstico – a Lidl tem baseado o seu crescimento na penetração em novos mercados. A Aldi, no 10º posto dos maiores operadores internacionais, ligeiramente à frente da Lidl, encontra-se em 12 países fora de portas, mas já anunciou a intenção de reforçar esta vertente de negócio, incluindo Portugal, onde já dispõe de licença para as primeiras duas unidades.

Em relação aos outros operadores presentes em Portugal com operação internacional, é de referir que a ITME (Os Mosqueteiros) ocupa a 12ª posição no ranking dos retalhistas, com vendas líquidas de 34 mil milhões de euros e activos em nove países, que contribuem com cerca de 30% das vendas globais. Aliás, a operação portuguesa, segundo foi afirmado na última apresentação de resultados do grupo, significa cerca de 10% da operação total.

Quanto à Auchan, o 15º maior retalhista mundial, encontra-se em 13 países, que representam quase metade das vendas. É dos operadores com maior contributo por parte dos mercados externos ao país de origem, sendo apenas ultrapassado pela Tengelmann, detentora da insígnia Plus que faz 51% das vendas fora da Alemanha – está em 16 países e é o 20º maior retalhista – pelo Carrefour (também 51%) e pela Ahold. Os holandeses, que entre outros activos detêm 49% da Jerónimo Martins Retalho, conseguem 84% das vendas em mercados externos.

Portugal menos Internacional

A internacionalização dos grupos portugueses é que sofreu um revés após a venda dos activos da Sonae no Brasil, numa primeira fase com a alienação de dez hipermercados ao Carrefour e depois com a venda das restantes lojas à Wal-Mart. A Modelo Continente deixou de ter presença fora de Portugal, mas segundo se sabe irá capitalizar o que recebeu na internacionalização das insígnias de retalho especializado, uma área onde lidera de forma clara o mercado português. Até agora, contudo, desconhece-se os contornos do projecto.

Também o grupo Jerónimo Martins havia saído do Brasil alguns anos antes, mas continua a forte expansão na Polónia. Líder de mercado com a insígnia Biedronka, um conceito de desconto, o grupo pretende chegar às 1.000 unidades, estando igualmente a considerar a hipótese de avançar para outro país, certamente no Leste europeu. Mas também aqui ainda nada de concreto se sabe, por enquanto.

Uma coisa é certa, a globalização e internacionalização dos grupos de distribuição é uma tendência incontornável, mesmo que esteja ainda numa fase bastante inicial. Em termos gerais, e tendo como pano de fundo uma listagem dos 250 maiores retalhistas mundiais, conclui-se que na grande maioria dos casos as vendas e os resultados subiram nos últimos tempos. Em 2004, por exemplo, o lucro subiu, em média face ao universo de retalhistas, 3,6%, contra 3,3% em 2003. A margem praticada, também em termos médios, situou-se nos 2,7 pontos.

Parece também evidente que no futuro os níveis de concentração irão aumentar, reforçando a posição dos principais retalhistas. O gigante Wal-Mart destaca-se claramente da concorrência, pois consegue uma quota à volta dos 10% em relação ao volume de negócios gerado neste top 250. Por outro lado, os 10 maiores representam já uma participação de 28,8% do total de vendas, contra os 28,4% registados em 2003, domínio que terá certamente tendência para se acentuar. Por outro lado, é previsível que aumente o número de operadores com negócios a nível internacional, pois dos maiores 250 retalhistas 104 não têm operação fora de portas e outras 39 companhias apenas operava em dois países.

Com este acréscimo concorrencial, a eficiência operacional é hoje em dia uma necessidade obrigatória para a competitividade, pois o advento do discount impõe aos restantes formatos outras exigências do ponto de vista da colocação de preço. É verdade que os supermercados e os hipermercados continuam a dominar, mas o rápido crescimento do desconto alimentar, de que é melhor exemplo o grupo Schwarz, implica níveis de eficiência operacional elevados a quem quiser manter o sucesso das suas operações, tanto em termos domésticos como à escala global.