Distribuição

Marcas próprias evoluem internacionalmente

Por a 10 de Novembro de 2005 as 18:40

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As marcas próprias representam 17% das vendas no grande consumo a nível internacional, revela um estudo recente da AC Nielsen. Um pouco por todo o globo, este conceito tem vindo a aumentar níveis de penetração, tendo passado de 15% em 2003 para mais dois pontos em 2005. Os níveis de crescimento das marcas próprias, aliás, situam-se nos 5%, enquanto as marcas tradicionais evoluem a uma média de 2%, o que permite aos distribuidores aumentarem sucessivamente a sua quota global de mercado.

A Europa continua a ser o palco preferencial para este conceito, pois a Marca própria (MP) apresenta uma quota de 23 por cento do mercado, impulsionada pela excelente performance em alguns países, como a Suíça (45%), Alemanha (30%), Reino Unido (28%), Espanha (26%) e Bélgica (25 pontos). Contudo, é nos denominados mercados emergentes, onde estes conceitos não estão ainda tão difundidos, que se deverá registar os maiores acréscimos, pois os níveis de crescimento anuais atingem os dois dígitos, ainda que se parta de uma base de análise relativamente pequena. Mesmo assim, é de destacar que nos mercados mais consolidados a marca própria continua a evoluir, destra feita quatro pontos, revela a AC Nielsen.

Em países terceiros, os mercados da Ásia e América do Sul ainda não integraram totalmente esta “lógica” pois os aumentos, existindo, mantêm-se abaixo dos dois dígitos. Nos Estados Unidos da América, mercado também já consolidado através de uma quota de 16 pontos, a taxa de evolução continua a ser significativa, situando-se em 2005 nos sete pontos percentuais, valor bastante importante no contexto de um mercado com maiores níveis de maturidade.

Novas categorias em perspectiva

No que diz respeito às categorias de produtos mais penetráveis ao conceito de marca própria, lideram as refeições prontas e refrigeradas, com uma quota global de 32 por cento e uma evolução de nove pontos no exercício. Seguem-se os produtos de papel (31% e uma evolução de 2%) e os congelados, com uma participação de 25 por cento do total de vendas e a evoluir em ritmos à volta dos três pontos. Outras categorias com particular relevância são a alimentação para animais domésticos, fraldas, bebidas não-alcoólicas ou produtos de limpeza caseira. Inversamente, o cuidado pessoal (5%), a cosmética (2%) e a alimentação infantil (também 2%) são áreas onde o consumidor ainda não sente confiança nos produtos, mas que os distribuidores estão, cautelosamente, a desenvolver. Todavia, a evolução registada pela Nielsen indica um acréscimo de 23 por cento nas marcas próprias de cosmética e de 13 pontos na alimentação infantil. Só o cuidado pessoal continua bastante abaixo, pois a evolução ficou-se pelos três pontos.

Conscientes deste facto, os retalhistas estão a apostar decisivamente nesta vertente de negócio, trabalhando as suas referências com outros pressupostos de branding e marketing. Por outro lado, não só estão a entrar cada vez mais em outras categorias de produto, como a estão a colocar as suas referências noutros patamares que não o preço. De facto, e tendo em atenção que a oferta de uma grande superfície incluirá sempre um primeiro preço, geralmente pertencente a uma marca tradicional, parece haver espaço para um reposicionamento da marca própria numa vertente mais qualitativa, pois é o espelho da insígnia em causa. Prova disso é o facto de a categoria com maior penetração, as refeições prontas, ser das que tem menor diferencial de preço face às referências tradicionais, indica um outro estudo da Nielsen. Neste caso, a consultora encontrou uma diferença de 16 pontos, quando esta chega, noutras categorias de produto, a atingir os 30 por cento.

Por outro lado, o consumo de marca própria está hoje difundido a uma escala mais global. Outro inquérito dado a conhecer pela Nielsen revela que, a nível mundial, 68 por cento dos consumidores consideram que a marca própria é uma boa alternativa às referências tradicionais. O espaço de penetração, naturalmente, depende da categoria em causa, mas exemplos como o suíço, onde estas propostas atingem 45% do mercado, fazem pensar que existe ainda um elevado potencial de crescimento, tanto nos mercados emergentes como até nos mais desenvolvidos.

A verdade é que a questão parece, de facto, consensual. Também a Euromonitor refere num relatório recente que muitas marcas próprias são hoje em dia sinónimo de qualidade e inovação, bem como de diferenciação entre os próprios retalhistas. Nos mercados mais desenvolvidos, como por exemplo o Reino Unido, existe até uma noção de lealdade face à marca do distribuidor, a qual é decisiva na escolha da loja. Por outro lado, a globalização dos grandes retalhistas mundiais tem ajudado à disseminação destas marcas um pouco por todo o mundo, o que origina crescimentos directos em volume.

De acordo com a empresa de estudos de mercado, as previsões para ao ano em curso apontam para um crescimento de seis por cento na marca própria, colocando-a com uma quota de 17 pontos que confirma a tendência já reportada pela Nielsen. Com os analistas de acordo, portanto, haverá algumas categorias de produto que sofrerão aumentos significativos, como as refeições prontas, para as quais se prevê uma evolução de 23 para 27 pontos nos próximos exercícios em termos de participação de mercado. O crescimento da conveniência como factor de consumo vai impulsionar as vendas desta categoria e de outras que apostem claramente nesta vertente, facto que, associado ao esforço estratégico por parte dos retalhistas em desenvolverem as suas marcas, potenciará certamente este segmento nos próximos anos.

20% em Portugal

No caso português, a média de penetração das marcas próprias rondará os 20 por cento do mercado, de acordo com as últimas estimativas e considerando os principais operadores presentes no país. Existem diferenças assinaláveis entre eles, pois alguns apostam mais na vertente alimentar enquanto outros têm estado mais focados noutras áreas de grande consumo. Ainda assim, todos reconhecem que esta é já uma vertente de negócio significativa e com clara tendência de crescimento.

Na Modelo Continente, por exemplo, a oferta nos hipermercados ascende já às 3.100 referências, isto num universo total à volta das 20 mil, enquanto nos supermercados, face a um universo de 15 mil produtos diferenciados, 1.500 assumem a insígnia perante o consumidor. Ainda no mesmo grupo retalhista, o crescimento da marca própria é estimado à volta dos 15 pontos percentuais ao ano.

O segundo maior retalhista a operar em Portugal também aposta forte nesta vertente de negócio, na medida em que junta já cerca de duas mil referências, tendo lançado 360 novidades só durante o ano transacto. A Jerónimo Martins Retalho está claramente a canalizar sortido para a marca própria, especialmente na insígnia Pingo Doce, que tem vindo a sofrer um processo de erosão de oferta num sentido mais seleccionado em relação às marcas tradicionais e onde a marca própria ganha força crescente. O negócio, para um total de 1,7 mil milhões de euros, andará já nos 350 milhões de euros, ou seja, mais de 20 por cento.

Aliás, o negócio das marcas próprias, inspirado pelo sucesso do formato Biedronka explorado na Polónia, evoluiu no ano passado 49 por cento, de acordo com um comunicado da Jerónimo Martins, acelerando um processo que já no exercício do ano 2003 havia crescido à volta dos 30 pontos, e isto quando o grupo, em termos gerais, se encontra com variações bem menos expressivas. A aposta na marca própria constitui elemento central da estratégia das insígnias exploradas, contribuindo para a deflação estratégica que o grupo tem vindo a implementar nas suas lojas.

Também a insígnia Carrefour estima cerca de 20 por cento de participação da sua marca (oito mil referências), com os montantes a ascenderem aos 100 milhões de euros, ao mesmo tempo que a “francesa” Auchan detém uma oferta de 4.000 produtos, que facturam entre 10 a 15 por cento do volume de negócios. Os Mosqueteiros também não ficam atrás, com a sua marca a rondar precisamente 15 pontos percentuais da facturação, naquilo que constitui uma tendência transversal a todos os principais operadores presentes em solo lusitano.

No sentido da qualidade

Longe vão os tempos em que as marcas brancas, que deram início a este processo, eram conotadas com baixo preço, certamente, mas igualmente com pouca qualidade. Nessa altura, e face ao “anonimato” do conceito, a marca branca era encarada como uma alternativa especialmente dirigida às classes populacionais com menor poder de compra, onde o critério de decisão primordial estava precisamente, e quase exclusivamente, centrado no preço.

Entretanto, pouco a pouco alguns distribuidores, seguindo as tendências internacionais, começam a identificar a sua própria insígnia com estes produtos. A partir desse momento, não se podem dar ao luxo de apresentar má qualidade, uma vez que será a própria insígnia a estar colocada em causa. Os cadernos de encargos apresentados aos fornecedores começam a ser bem mais exigentes e a marca própria situa-se agora como um ponto de orgulho e diferenciação para os retalhistas.

O sucesso tem sido evidente. É claro que maior numas categorias de produto do que noutras, onde a identificação com a marca e todo o conteúdo emocional ainda continua a ser determinante. Mas a verdade é que, neste momento, o conceito de marca do distribuidor já evoluiu, alargando o raio de acção – leia-se novas categorias – e até o posicionamento, pois em muitos casos começam a surgir com preços colocados em linha com o mercado. Ainda não chegámos à fase em que a marca própria assume um posicionamento premium, mas há já algumas experiências internacionais nesse sentido, e com vidente sucesso.

Certo é que esta lógica continuará a imperar e a ser incrementada, pois os distribuidores vêem aqui uma boa oportunidade para jogar com margens, ao mesmo tempo que geram factores de fidelidade e reforço do relacionamento com o consumidor final. De facto, mesmo a comunicação começa agora a apelar a aspectos mais emotivos, um “campo de batalha” que anteriormente era um exclusivo das marcas tradicionais. Até que ponto a marca própria pode chegar é uma dúvida que persiste no sector. Haverá, como já foi referido, diferenças assinaláveis entre categorias de produto, mas o conceito em si veio para ficar e para evoluir.