Complexidade crescente

Por a 10 de Novembro de 2005 as 18:34

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Com a pressão crescente exercida sobre os produtores para a redução de custos, os modelos formais das cadeias de abastecimento atingiram um ponto crítico em algumas indústrias, revelando-se mais difícil reunir vantagem competitiva sobre a concorrência. Ideias lançadas pelo estudo da Deloitte “O Desafio da Complexidade: Tendências Críticas na Gestão da Cadeia de Abastecimento na Indústria”, cuja análise lhe propomos seguir.

As cadeias de abastecimento estão a crescer em complexidade. Perante um mercado onde os produtos apresentam ciclos de vida reduzidos – o consumidor revela-se mais exigente na procura e as unidades de produção, distribuição e concepção encontram-se espalhadas um pouco por todo o globo – pequenas e grandes empresas têm manifestado algumas dificuldades em optimizar a sincronização de todas as partes integrantes da sua actividade. Na base desta complexidade emergente, encontra-se a intensa pressão para a redução de custos associados à cadeia de abastecimento, desde a concepção à distribuição, em conjunto com a constante procura por novos mercados e canais de comercialização e com a necessidade de a inovação ser mais célere.

Para reduzir custos, muitas companhias têm sido obrigadas, ou optado, por recolocar ou fazer outsourcing de determinadas etapas do processo produtivo. Esta situação deve-se, sobretudo, a uma grande razão: num mundo onde grandes operadores como a Wal-Mart e o Carrefour acumularam um enorme poder de compra, a pressão exercida sobre os produtores para a redução de custos é imensa. Paralelamente, as empresas procuram reduzir impostos e tarifas aduaneiras, investindo frequentemente na implementação de centros de pesquisa e desenvolvimento, ou de armazéns, em localizações que não seriam opção se não fossem os benefícios fiscais.

Independentemente das razões que possam levar à mudança, o impacto é o mesmo: a dispersão de determinados sectores da cadeia de abastecimento leva a que se torne mais complexa. A maioria das empresas analisadas no estudo transferiram a produção para localizações de baixo-custo (57%), enquanto outras encerraram unidades de forma a reduzir o excesso de produção (59%) ou fizeram outsourcing de algumas actividades de manufacturação e distribuição (67% e 58%, respectivamente). De facto, 15% das empresas norte-americanas e 29% europeias não produzem nos respectivos mercados domésticos e até mesmo as “jóias da coroa” de qualquer empresa, a capacidade de concepção de produtos, tem progressivamente passado para as mãos de outras companhias capazes de fazê-lo com custos reduzidos, situação comum a 62% dos produtores inquiridos. Nesse sentido, cerca de 22% das empresas norte-americanas tenciona estabelecer, ou expandir, a base da concepção de produto na China ao longo dos próximos três anos, enquanto 10 a 12% está de olhos postos no Sudoeste Asiático e Europa (Quadro 1). Apenas dois terços das empresas europeias mantêm a criação doméstica, enquanto 16% revela preferir a importação de ideias dos mercados chinês e norte-americano, dividindo-se as preferências do restante tecido empresarial pelo Leste Europeu (15%) e pela região centro europeia e Índia (14%), tendências a verificar nos próximos três anos (Quadro 1).

Mercado

Dados os crescentes custos de desenvolvimento e produção, as maiores empresas mundiais têm espalhado parte da sua operação por diversas regiões do globo. Em alguns casos, verifica-se mesmo a posse de mais activos no estrangeiro do que no país de origem, constituindo a Nestlé um bom exemplo da corporação global, com 87% dos seus activos a residirem fora da Suíça.

A grande maioria das empresas a nível mundial, independentemente da sua dimensão, opera em mercados externos, como, por exemplo, o chinês, onde cerca de metade do tecido empresarial europeu (48%) e norte-americano (47%) têm participações. Interesse que é reforçado pela percentagem semelhante dos inquiridos (44% e 48%, respectivamente – Quadro 2) que encara a possibilidade de estar presente nesse mercado nos próximos três anos. Paralelamente, empresas de ambos os continentes prevêem alcançar uma forte presença noutros mercados, com 40% dos produtores norte-americanos a revelar a intenção de apostar no Leste Europeu, México e América Central, até 2006, enquanto que 50% a 60% das empresas da Europa Ocidental irão dirigir as atenções para as regiões centro e leste europeias. (Quadro 2). Contudo, não se trata de um abandono efectivo do mercado interno, na medida em que 58% das empresas norte-americanas reafirmam a vontade em apostar na região de origem, tendência acompanhada por 49% das empresas europeias que planeiam alargar as vendas no mercado doméstico. No entanto, é a procura de novos mercados que tem motivado o alargamento da cadeia de abastecimento, por vezes com restrições comerciais, onde o preço a pagar pelo acesso ao mercado é a produção e utilização de recursos locais.

Inovação

Uma das condições necessárias para a produção e venda à escala mundial é a adesão aos gostos locais. Situação que, no entanto, exige por parte das cadeias de abastecimento uma determinada capacidade de entrega de produtos, seja em timming, quantidade, qualidade ou preço adequado às necessidades de mercado. No entanto, presentemente verifica-se uma reduzida duração do tempo de vida dos produtos no mercado, procedendo-se à rápida substituição dos mais antigos por outros mais recentes, o que faz com que a inovação seja, em regra, mais célere do que a capacidade de produzir.

Para atingir o topo, nenhuma estratégia é mais importante do que o desenvolvimento de produtos e serviços. Do conjunto de factores para obter retorno nos três próximos anos, a introdução de novos serviços e produtos no mercado é considerada a mais importante com 89% das respostas, surgindo à frente de factores macroeconómicos (85%) e de mercado (80%). De facto, a aposta na inovação é uma motivação comum a diversos produtores que, de uma forma geral, revelam estar dispostos a investir mais de 40% dos lucros alcançados em projectos de pesquisa e desenvolvimento (R&D) nos próximos três anos. Como resposta ao desenvolvimento e consequente introdução no mercado ao longo dos últimos anos, o lucro obtido do lançamento de novos produtos prevê-se que suba dos actuais 27%, para 31% em 2006.

Optimização

Apesar de, potencialmente, ser mais barato conceber uma cadeia de abastecimento numa perspectiva global, a maioria das empresas prefere a optimização à escala local. Contrariando a tendência generalizada para a expansão de diversas operações da cadeia de abastecimento por todo o mundo, muitas empresas continuam a preferir optimizar a produção numa base mais “micro”, seja por produto, estrutura, país ou região, abdicando de uma eficiência a larga escala. Ao conceber a cadeia de abastecimento numa perspectiva global, é possível configurar fábricas, armazéns, concepção, rotas transportadoras, estratégias de marketing e vendas e outras operações subsequentes de forma a maximizar, e rentabilizar, a rede na sua totalidade. As estruturas podem servir múltiplos mercados, os itinerários de distribuição podem suportar diversas linhas de produtos para unidades regionais, enquanto a capacidade de concepção, produção, distribuição e marketing pode ser partilhada com outras companhias, até concorrentes, amortizando os custos do investimento, rentabilizando-o e maximizando as suas potencialidades.

No entanto, e tendo em conta as vantagens assinaladas, são poucas as empresas que optam pela concepção global da rede de abastecimento, não representando o melhoramento da sua performance uma prioridade alta. Apenas 4% das empresas inquiridas considera o custo total da estrutura da cadeia de abastecimento uma vantagem competitiva.

O serviço prestado ao cliente é outra das principais prioridades das empresas. Contudo são igualmente poucas (3 a 8%) as que colaboram com os respectivos clientes na organização de determinas áreas chave, como, por exemplo, o planeamento estratégico. Refira-se que em quase todos os potenciais pontos de colaboração, as empresas trabalham mais extensivamente com os fornecedores do que com os clientes, embora cerca de 5% dos inquiridos revele efectuar uma colaboração efectiva com os consumidores na previsão de tendências de mercado e de procura.

Flexibilidade e risco

A flexibilidade da cadeia de abastecimento, a capacidade de rapidamente mudar a origem, níveis de produção, distribuição ou outras actividades necessárias ao equilíbrio entre o fornecimento e a procura, continua a ser uma das prioridades na agenda das empresas e um dos problemas a resolver pelos gestores. Ao optar pelo outsourcing de algumas etapas da cadeia de abastecimento, as empresas abdicam da rapidez e flexibilidade na resposta, privilegiando reduções directas no custo de produção.

As empresas inquiridas assinalaram como barreiras à “flexibilização” das cadeias, os erros verificados nas previsões de mercado, os longos tempos de abastecimento e a proliferação de produtos. Dificuldades que se revelam acrescidas em função dos curtos períodos de “vida” dos produtos, associados a um consumidor mais exigente e a constante busca por instalações mais baratas e mercados mais lucrativos por parte das empresas. A dificuldade na previsão de comportamentos de consumo limita o planeamento da produção e organização logística, sendo poucas as empresas que desenvolveram e sincronizaram as vertentes de procura e fornecimento do negócio, de modo a reduzir as limitações à flexibilidade e rentabilidade.

O risco de não ir ao encontro das exigências crescentes do consumidor – desde o produto e serviço prestado, novas referências introduzidas, distribuição e garantia – representa outra das preocupações de todas as empresas presentes no mercado. Para a maioria, a expansão por diversos pontos do globo de algumas etapas da cadeia não constitui uma opção, mas um pré-requisito. Garantir os níveis de qualidade não é, de igual modo, opcional, não se limitando esta exigência apenas ao produto. Um novo imperativo de mercado faz com que a qualidade extrapole a dimensão do produto, estendendo-se aos serviços de pré e pós-venda, assim como à própria distribuição, circunstância que exige um grande esforço de toda a cadeia e onde os erros podem se revelar bastante prejudiciais.

Num mercado à escala global, onde os consumidores são cada vez mais exigentes, a pressão pela redução de custos e a rápida introdução de novos produtos tem progressivamente aumentado a complexidade das cadeias de abastecimento. Ao dispersar as várias componentes da rede, o número de possíveis falhas e de quebra na qualidade apresentada aumenta exponencialmente. Num mercado global e em constante mutação, são diversas as questões colocadas à produção e à gestão moderna, que encontra no aperfeiçoamento das complexas cadeias de abastecimento um desafio para os próximos anos.