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Défice de 40%

Por a 19 de Setembro de 2005 as 11:18

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O sector Horeca esteve perto do desespero total quando foi anunciada a intenção do Governo em fazer desaparecer a taxa intermédia de IVA de 12% aplicada actualmente. Particularmente tendo em atenção o diferencial face a Espanha, o défice de competitividade já existente passaria para níveis incomportáveis. O recuo oficial, contudo, não invalida que a restauração nacional continue a denotar grandes dificuldades face à oferta dos nossos vizinhos ibéricos, como explica um estudo dado a conhecer recentemente pela ARESP.

A Associação dos Restaurantes e Similares de Portugal (ARESP) divulgou um estudo denominado “A Competitividade da Restauração Portuguesa Face à Oferta Equivalente em Espanha” no qual fica evidenciado o elevado défice de competitividade que o sector apresenta por comparação com a realidade espanhola. O documento, coordenado por Sancho Silva e elaborado pela Cestur (Centro de Estudos do Turismo) é particularmente cáustico nas suas conclusões, apesar de salientar igualmente alguns pontos positivos da oferta nacional.

O primeiro ponto a destacar é claramente a importância do sector para a economia portuguesa e para a vida dos cidadãos, onde os hábitos de consumo fora de casa são os mais elevados do espaço europeu. De acordo com o estudo, a restauração representará 9,5% do número de empresas em actividade no país e 5,9% do emprego directo, gerando volumes de negócios na ordem dos 5,5 mil milhões de euros. Apesar da inexistência de um cadastro à escala nacional, o que aliás constitui uma reivindicação da ARESP perante as autoridades oficiais, calcula-se que existam qualquer coisa como 85 mil estabelecimentos de restauração e bebidas em Portugal, número considerado excessivo pela própria associação representativa do sector, mas que tem vindo a aumentar a uma média de 5,5% ao ano desde 1995, revelou ainda a ARESP.

Tomando por base os dados oficiais, que divergem da realidade estimada pela associação sectorial mais representativa, o número de estabelecimentos rondará os 60 mil, com cerca de 35 mil estabelecimentos de bebidas e 25 mil restaurantes (dados do INE relativos a 2002). Contudo, se este universo representará 9,5% do número de empresas e 5,9% do emprego, como se disse, terá uma expressão de somente dois pontos percentuais no que diz respeito ao volume de negócios, revela o estudo, que salienta ainda o facto de, do ponto de vista evolutivo, a percentagem de restaurantes face ao número global de estabelecimentos estar a aumentar, enquanto reduzem os estabelecimentos apenas dedicados a bebidas.

A recuperação da produtividade é um dos aspectos destacados pelo documento, fundamentando a assumpção de que, cada vez mais, esta é um área vital para o normal desenrolar da economia portuguesa. A ideia sai reforçada quando se analisa os gastos dos turistas, os quais, segundo a ARESP, são precisamente canalizados na sua maioria para o sector. Nessa perspectiva, portanto, este apresenta-se até como absolutamente estratégico para o desenvolvimento do país.

Cinco vezes maior

A realidade espanhola é naturalmente muito maior em dimensão, pois contabilizam-se quase 60 mil restaurantes e muito perto dos 200 mil estabelecimentos de bebidas, já para não falar em cerca de 10 mil espaços de restauração colectiva e catering. Ao todo são à volta de 260 mil unidades, contra as tais 60 a 85 mil em Portugal. Falamos, portanto, de um sector cerca de cinco vezes maior nos nossos vizinhos espanhóis. A oferta em Espanha, aliás, dobrou nos últimos 30 anos, ao mesmo tempo que crescia também a dimensão média por estabelecimento.

O sector em Espanha apresenta, segundo o estudo, diversas tendências qualitativas que merecem destaque, nomeadamente a diversificação dos serviços e a tentativa de integração de novos conceitos, a internacionalização da actividade de alguns grupos empresariais, a modernização e o recurso crescente às novas tecnologias a todos os níveis de actividade (preparação, conservação, distribuição, controlo de serviços, etc), maior profissionalização na gestão e, muito importante, uma tendência acentuada e crescente para a defesa dos valores tradicionais da gastronomia típica, integrada com pleno êxito nos conceitos de oferta.

Diferencial competitivo

A principal conclusão comparativa deste estudo é que o défice de produtividade do sector entre ambos os países é de 40 pontos percentuais, com prejuízo para os níveis nacionais. Este diferencial tem por base a menor dimensão das empresas nacionais, os menores níveis de profissionalização e desvantagens competitivas estruturais, como a legislação laboral e o enquadramento fiscal, concretamente com uma taxa de IVA aplicável ao sector cinco pontos acima em solo lusitano.

Todavia, são igualmente destacados neste estudo alguns outros aspectos também relevantes, como o défice sentido ao nível da qualidade e segurança alimentar, tendo em atenção que no país vizinho a implementação de sistemas de HACCP é obrigatória, a lei laboral mais flexível em Espanha, com maior recurso a trabalho a tempo parcial, e o próprio ambiente económico, muito mais dinâmico do outro lado da fronteira. Em sentido inverso, há que considerar o facto de em Portugal existirem programas de incentivo ao sector, tais como o Prorest, o que não existe em Espanha. Contudo, essa maior facilidade será porventura contornada com a criação de um ambiente mais favorável ao desenvolvimento da actividade.

O tão propalado Imposto sobre Valor Acrescentado constitui, desde há muito tempo, um dos principais cavalos de batalha da ARESP, recorrendo frequentemente à comparação com Espanha para evidenciar as gravosas consequências comparativas que resultam da carga fiscal, superior em cinco pontos, como se disse. Aliás, pode ler-se no documento, Portugal tem mesmo a taxa de IVA mais alta do sector quando falamos do universo de países do Sul da Europa, tradicionalmente aqueles onde a actividade turística é mais desenvolvida. Portugal apresenta uma taxa de 12 pontos, contra os 10% em Itália, 8% na Grécia e 7% em Espanha.

Portugal mais barato

Ainda numa análise comparativa entre Portugal e Espanha, refira-se que a diferença de preços observada foi cerca de 20% mais alta em Espanha. Não obstante uma evolução semelhante em temos de volume de vendas (à volta dos cinco por cento) e nos preços entre três a quatro pontos), o preço médio de uma refeição em Portugal ronda os 20 euros, quando em Espanha se situa nos 24.

Portugal tem, em média, estabelecimentos com mais mesas por unidade, mas uma taxa mais elevada de encerramento para férias e, tal como já foi referido, fracos índices de utilização de sistemas informáticos, particularmente na comunicação externa (e-mail, site online). Curiosamente, e apesar da média de mesas ser menor, os estabelecimentos em Espanha têm mais lugares e recorrem muito mais a serviços de outsourcing, concretamente em áreas como a limpeza, marketing, contabilidade, etc.

Por outro lado, e no que diz respeito à qualificação da mão-de-obra, em Portugal, de acordo com inquéritos realizados, menos de 1/3 dos empresários frequentaram acções de formação, enquanto na vizinha Espanha muitos deles apresentam mesmo habilitações literárias de nível superior. Em acrescento, apenas 25 pontos percentuais das empresas procede à definição de objectivos de gestão, enquanto em Espanha essa taxa sobe para os 43 por cento. Há também mais organização por departamentos e um conhecimento mais aprofundado sobre questões relativas à segurança alimentar em Espanha. Nos recursos humanos, salienta-se ainda a média de rotatividade «aceitável» em Portugal (49%) face aos 61 por cento em Espanha, classificando este vertente como forte e muito forte.

Como aspectos semelhantes são de salientar a falta de mecanismos de avaliação de desempenho do pessoal, que pelos visto acontece em ambos os países, e o facto de apenas 25 por cento das empresas procederem a acções de formação. Todavia, em Espanha existe um peso muito mais importante dos escalões etários mais jovens, nomeadamente ao nível directivo e administrativo, o que revela os níveis de formação mais elevados, pois são jovens que geralmente tiveram um percurso escolar especializado.

Condições de pagamento

Em Portugal, salienta o estudo, existe um menor recurso ao pagamento a prazo aos fornecedores, o que na opinião da ARESP constitui mais um factor de desigualdade competitiva, mas em contraponto verifica-se uma maior disponibilidade da carta de vinhos e a existência de um menu do dia fortemente generalizada, o que aliás também acontece no país vizinho. Os lusitanos também utilizam de forma mais evidente os produtos com denominação de origem protegida, outro aspecto que constitui um dos argumentos do nosso sector.

No que diz respeito a investimentos, é de salientar o facto de apenas 10% dos estabelecimentos terem recorrido aos sistemas de apoio financeiro, inexistentes em Espanha. Ou seja, aquela que poderia ser mais uma vantagem competitiva no sentido de uma crescente modernização tem sido pouco aproveitada, o que levou mesmo o secretário de estado do turismo, Bernardo Trindade, a lançar o repto para que os incentivos sejam realmente aproveitados.

Em relação aos aspectos de higiene e segurança alimentar, Espanha parece estar bem mais avançada, uma vez que existe a obrigatoriedade de implementação de sistemas de HACCP, o que em Portugal ainda não acontece. Nesse sentido, a percentagem de empresas com mecanismos de avaliação dos alimentos em Portugal é baixa, bem como o número de estabelecimentos que fazem análises regulares dos géneros alimentícios. Por outro lado, e no tocante à avaliação de desempenho, este é muito baseado nas reclamações, estando esta área bem mais desenvolvida em Espanha, inclusivamente com recurso a auditorias externas.

Importância turística

Ainda de acordo com o estudo, o preço médio para pratos de carne em Portugal situa-se nos 10,40 euros (dados de Maio de 2005), enquanto no peixe encontramos uma média de 15 euros certos. O documento refere que estes são sensivelmente os preços praticados um ano antes, pelo que se confirma a pouca variação inflacionárias nas refeições. Contudo, também é verdade que noutro tipo de produtos as subidas têm sido acentuadas, o que permite o crescimento contínuo de volume de negócios do sector, apesar da contracção de consumo verificada nos últimos anos. A média geral de uma refeição, assinala ainda o estudo, situa-se nos 15,50 euros, mas se juntarmos as bebidas ascende então aos 20 euros. Ainda assim, estes valores em Espanha, com as referidas bebidas, ascendem aos 24 euros por refeição.

Outro dado curioso é verificar que a percentagem de visitantes estrangeiros é muito maior nos restaurantes (21% face a 43% de visitantes locais e 36% de visitantes nacionais) do que nas pastelarias, onde ¾ dos clientes são locais e os estrangeiros muito pouco representativos, com menos de 10%. Por alturas do Euro, contudo, o cenário alterou-se radicalmente, pois os visitantes estrangeiros ascenderam a 25% nas pastelarias, o que demonstra a oportunidade das grandes organizações para o reforço da componente turística no consumo Horeca.

Voltando à comparação entre os dois países, verifica-se que o perfil de clientes, concretamente em relação à idade, é semelhante. Todavia, a percentagem de clientes entre os 41 e 60 anos representa cerca de 47% em Espanha e apenas 38% em Portugal, e isto porque o escalão acima (mais de 60 anos) vale no nosso país 14,4 pontos, contra apenas 4,4% em Espanha. Por sexo, nos dois países as mulheres significam perto de 60% do consumo, enquanto os quadros médios e superiores também representam a grande fatia de consumidores, nomeadamente com percentagens de 45 pontos em Espanha e 48% em Portugal.

Como aspectos que mais afectam o funcionamento do sector em Portugal, temos na frente, e por ordem decrescente, a concorrência ilegal, a falta de mão-de-obra qualificada e o excesso de oferta, revela um painel de peritos associados a este estudo agora apresentado pela ARESP. Já em Espanha, o primeiro factor é considerado a falta de mão-de-obra qualificada, seguida do excesso de oferta e da envolvente de mercado, nomeadamente as condicionantes da procura.

O mesmo painel considera que uma maior competitividade no sector estaria dependente, no cenário português, de maiores níveis de formação, da introdução de sistemas de segurança alimentar e de mais inovação, enquanto em Espanha os aspectos determinantes para a melhoria são a inovação, em primeiro lugar, a valorização da gastronomia como património cultural e também a formação, mas como terceira prioridade.

Curiosamente, os aspectos de concorrência, legislação e fiscalidade não são vistos por este painel como essenciais para a melhoria do sector, mesmo que tenham claramente mais importância face à análise feita para Espanha, onde são considerados praticamente insignificantes, provavelmente por existir um enquadramento mais adequado às necessidades e realidade do sector.

Dificuldades e oportunidades

A finalizar, o estudo sintetiza os pontos fortes e fracos do sector de restauração em Portugal, perspectivando igualmente as oportunidades de futuro que se colocam. Como elementos favoráveis, destaca-se o reconhecimento da actividade ao nível da sua importância nos planos turístico e social, a riqueza gastronómica do país, a boa imagem deixada após o Euro 2004, a existência de um sistema completo de apoios, integrando não só diversos programas oficiais como projectos específicos financiados pela Banca, a existência de centros de formação profissional, apesar de se reconhecer a falta de qualificação profissional, a contenção do aumento de preços nos últimos anos (mais visível nas refeições do que nos restantes produtos), a rotatividade dos menus e a menor sazonalidade por comparação com Espanha.

Já no plano das dificuldades, encontramos a falta de fiscalização no sector, o diferencial de IVA, a baixa produtividade, a inexistência de um cadastro nacional de estabelecimentos e de informação tratada sobre o sector – radiografia que permitiria uma melhor definição de estratégias –, um perfil empresarial dominado pela visão familiar do negócio, a baixa percentagem de empresas com mecanismos de garantia de qualidade e auscultação do cliente, a débil penetração das novas tecnologias, a ausência de práticas de gestão por objectivos e uma legislação laboral pouco flexível.

As oportunidades, revela o estudo, existem, mas estão também ameaçadas por eventuais dificuldades de futuro. A alteração dos hábitos alimentares, as exigências ao nível da segurança alimentar, o desenvolvimento da vertente tecnológica e o reforço da qualificação profissional, bem como o previsível aumento da procura, a diversificação da oferta e a possibilidade de internacionalização de algumas empresas são aspectos encarados como oportunidades de negócio para os empresários.

Contudo, estes terão que ter em consideração condicionantes tais como o excesso de oferta, a lei do arrendamento comercial, a fraca dinâmica da economia portuguesa, a diminuição do poder de compra das famílias nacionais, a escassez de mão-de-obra qualificada e alguma resistência à adesão a acções de formação, o elevado custo das matérias-primas e de factores de produção como energia, por exemplo, dificuldades na obtenção de prazos de pagamento mais vantajosos e, claro está, uma carga fiscal que se manterá acima do praticado em Espanha. A integração dos emigrantes na sociedade e mercado de trabalho também foi apontada como uma ameaça, mas sem dúvida que apresenta também pontos positivos do ponto de vista dos empresários, nomeadamente uma clara redução dos níveis salariais, à qual já assistimos hoje em dia.

O sector, conclui o estudo, tem potencialidades suficientes para ultrapassar os principais constrangimentos e debilidades, localizando-se o factor-chave do sucesso do lado da oferta. A profissionalização do sector, a exigência de qualidade, a diversificação da oferta, o reforço de parcerias e o incentivo à competitividade deverão constituir os eixos centrais das estratégias empresariais a adoptar, tendo em vista a consolidação e sucesso no futuro.

A vertente estratégica da restauração, consumada por exemplo através do reconhecimento da gastronomia como património cultural, deverá ser um ponto a destacar por todo o sector Horeca, particularmente nas suas reivindicações junto das autoridades oficiais, fazendo lobby para que a sua contribuição seja confirmada não apenas em teoria mas igualmente na prática, através de medidas que permitam um desenvolvimento sustentado do sector, assegurando a sua viabilidade económica e financeira a longo prazo.